O Tempo passa, o Amor não @olhares.com por Ana Rita Rodrigues



Vivaldi - Four Seasons (Winter)
Em mim vivem as Quatro Estações, numa coexistência nem sempre pacífica, nem sempre difícil.
Albergam-se na minha alma, numa conquista nem sempre consentida, tomam-me por sua, quando estou numa quinta estação que é só minha, intransmissível.
Quando sinto o Inverno querer vencer a Primavera que há em mim, luto com todo o meu Verão de sorrisos e de forças descobertas por acaso, fruto da época de Outono, que me antecedeu o Verão...
Não estou certa... qual o ritmo verdadeiro das estações do ano em mim, elas antecedem, precedem  e mesclam-se aleatoriamente e sem sentido, provocando as maiores intempéries nos sentidos do meu Verão, prolongando por tempos indefinidos a secura do meu Inverno, mas uma coisa é certa, não há um dia da minha vida em que eu não sinta, o calor reconfortante de todas elas, o frio entre cortante de todas elas, e a mescla de sentires, sensações, que resultam das minhas emoções, enquanto as estações, baralhadas pela minha insensata genuinidade, rogam a minha misericórdia, para que deixe cada uma delas no lugar, para que o tempo possa naturalmente caminhar, e para que o Outono da vida não tropece, para que o Inverno chegue sempre no seu jeito cadenciado, precedendo a Primavera de tanta alegria e permitindo que o Verão, que a todos contagia, possa estar sempre no lugar certo, mesmo que cá dentro, nesse dia, seja Inverno...

[2011/01/31]
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Quando a cada fim de dia, devolvo a minha mente cansada ao conforto descabido do vazio, quando atiro este corpo que me transporta para o inusitado calor daquele tapete, e me inundo das lembranças do futuro, rolam as minhas lágrimas livres, felizes. Fito a composição de velas que sempre gosto de ter, que me aconchegam, quase me acarinham, como se se tratasse de uma lareira onde quase posso ouvir o delicioso som do crepitar da madeira. Ardem-me os olhos, tal e qual o lume, a brasa, poderiam fazer arder, e no fundo, apenas uma vela acesa, no meio de tantas, no ar, o aroma quente da canela...
É aquela chama, acendo uma única vela, que no escuro onde me encontro, me convida para uma dança. Nas paredes, bailam os contornos do seu ondular, e na minha mente, ausentam-se os dramas, as consciências, tomam conta as loucuras, as essências...
No peito nasce um ardor, o corpo vira sedutor, a música, sempre presente em mim, compõe a banda sonora deste momento intimista comigo própria, sinto o abandono que o cálice de Porto ajuda a concretizar. Num delírio, toma posse o sorriso, o brilho no olhar, a dança sensual, e aquela chama, que comigo dança e que me tira do lugar.
Excita-me o erotismo da chama que me envolve a alma e me embala na solidão desta dança. Sinto-me embriagada de sensações, de suaves recordações, enquanto o meu corpo se desnuda, os movimentos se aveludam, e eu já não consigo mais parar.
Tocam-me os dedos do desejo,  chego-me dentro de mim, percorro-me como um caminho sem fim, onde às cegas me sei encontrar. E por fim, no espaço esgotado de mim, no último suspiro de prazer, é a ti, que vejo em frente de mim, projectado pela chama daquela única vela, com aroma de canela.
Encontrei-te: És-chama-em-mim!

Escrito para: Fábrica de Histórias

[2011/01/27]

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SENHORAS E SENHORES: O PRODUTO MAIS DIABÓLICO DA HUMANIDADE

O que mais dói não é – desengana-te – a infelicidade. A infelicidade dói. Magoa. Martiriza. É intensa; faz gritar, sofrer, saltar, chorar. Mas a infelicidade não é o que mais dói. A infelicidade é infeliz – mas não é o que mais dói.

O que mais dói é a subfelicidade. A felicidade mais ou menos, a felicidade que não se faz felicidade, que fica sempre a meio de se ser. A quase felicidade. A subfelicidade não magoa – vai magoando; a subfelicidade não martiriza – vai martirizando. Não é intensa – mas é imensa; faz gritar, sofrer, saltar, chorar – mas em silêncio, em surdina, em anonimato. Como se não fosse. Mas é: a subfelicidade é. A subfelicidade faz-te ficar refém do que tens – mas nem assim te impede de te sentires apeado do que não tens e gostarias de ter. Do que está ali, sempre ali, sempre à mão de semear – e que, mesmo assim, nunca consegues tocar. A subfelicidade é o piso -1 da felicidade. E não há elevador algum que te leve a subir de piso. Tens de ser tu a pegar nas tuas perninhas e a subir as escadas. Anda daí.

Sair da subfelicidade é um drama. Um pesadelo. Sair da subfelicidade é mais difícil do que sair da infelicidade. Para sair da infelicidade, toda a gente sabe – tu mesmo o sabes: tens de tomar medidas drásticas. Medidas radicais. Porque a infelicidade é, também ela, radical. Mas sair da subfelicidade é uma batalha interior muito mais dolorosa. Desde logo, porque não sabes se queres, mesmo, sair da subfelicidade. Porque é na subfelicidade que consegues ter a certeza de que evitas a desilusão – terás, no máximo, a subdesilusão; porque é na subfelicidade que consegues ter a certeza de que evitas a perda – terás, no máximo, a subperda. Estás a ficar perdido com o que te digo?

A subfelicidade é o produto mais diabólico que a humanidade criou. A subfelicidade é resultado da mente, também ela diabólica, de quem tem consciência. Para um cão, para um gato, para um periquito, para um leão ou até para uma formiga, não existe a subfelicidade: a felicidade pacífica. Impossível: ou está feliz porque tem comida e bebida, ou está infeliz porque nada tem para comer ou nada tem para beber. Os animais, por mais cores que os olhos lhes dêem a ver, vêem o mundo a preto e branco . Ou é preto ou é branco. Ou é feliz ou infeliz. Ou é tudo ou é nada. O humano, esse, foi mais longe. E foi por isso que ficou, cada vez mais, refém do que está perto – do que está seguro. Formatado pela consciência, o homem assimilou um conceito que, na verdade, não existe: o da felicidade segura. Espero que estejas bem seguro nessa cadeira quando leres o que aí vem no próximo parágrafo.

A felicidade segura não existe. A felicidade segura é segura, sim – mas não é felicidade. A felicidade pacífica é pacífica, sim – mas não é felicidade. A felicidade, quando é felicidade, assolapa, euforiza, arrebata. E não deixa respirar, e não deixa sequer pensar. A felicidade, quando é felicidade, é só felicidade. E tudo o que existe, quando existe felicidade, é a felicidade. Só ela e tu. Ela em ti. Ela em todo o tu. A felicidade, para ser felicidade, não tem estratos, não tem razão. Ou é ou não é. A felicidade é animal, de facto – mas é ainda mais demencial. Deixa-te louco de felicidade, maluco de alegria, passado dos cornos. Só quando estás dentro da felicidade é que estás fora de ti. Liberto do corpo, da matéria, da sensação – e imerso naquela indizível comunhão. Tu e a felicidade. Já a sentiste, não?

Não há como dizer de outra maneira: se estás acomodado à subfelicidade, se tens medo de ser feliz e preferes a certeza de seres subfeliz: és um triste de todo o tamanho. A subfelicidade é uma tristeza. Uma tristeza de hábitos, de rotinas, de sorrisos – uma tristeza que inibe a surpresa, o imprevisível, a gargalhada. Uma tristeza que te faz refém do que fazes e te impede de te seres o que és. Olha em redor: a toda a volta há pessoas subfelizes, pessoas que dizem “vai-se andando”, pessoas que dizem “tem de ser”, pessoas que dizem “eu até gosto dele”, pessoas que dizem “sou feliz” com os olhos cheios de “queria ser feliz”, pessoas que dizem “é a vida”. Mas não é. A vida não é a quase felicidade. A vida não é a subfelicidade. E, se é a primeira vez que vês isso, fica entendido o que sentes. Ou subentendido, pelo menos.


Por Pedro Chagas Freitas

[2011/01/26]


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22:46

Bubbles @olhares.com por Sonia MB

Não queiras saber de mim - Rui Veloso e Mariza


Quero sair de mim,
deixar-me abandonada por aí...
Ser gente a quem ninguém acode,
Sair deste Eu que de nada já vale,
deste corpo que já nada pode,
desta alma que não reconheço,
do coração que já não mereço.
Vaguear,
ser como a bola de sabão,
que leve e solta vai pelo ar,
e rebenta para não mais voltar
Não sente, não sofre
não procura um lugar,
mas deixa um sorriso em quem a soprar...

[2011/01/25]
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Tomás, o super bebé - 2005

Era o último dia daquelas férias de Verão. Como sempre acontece quando se passa algum tempo fora de casa, um misto de ansiedade pelo regresso ao lar e de angústia pelo fim dos dias de descanso, pelo menos mental, tomavam conta de Beatriz. Umas férias de praia, numa casa alugada e com um bebé de 18 meses, não se pode dizer que fossem fisicamente de descanso, mas psicologicamente eram sempre regeneradoras. Afinal, estava com quem mais amava na vida, fora do ambiente de stress que normalmente a envolvia a viver intensamente a natureza, o sol, o mar.

Nesse dia resolveram aproveitar ao máximo a possibilidade de Afonso usufruir daquele ambiente, então foram até à praia logo pela manhã. Almoçariam cedo na esplanada da praia com o nome sugestivo de “Pezinhos N’areia”, luxo a que se davam apenas por ser o último dia e para evitar de ter uma cozinha para arrumar, e de tarde regressariam para arrumar toda a “tralha” que sempre se leva para férias quando se tem um bebé pequeno. Cama de viagem, carrinho, brinquedos, até a almofada Beatriz tinha levado – esse era mesmo um capricho seu, só deixaria a sua almofada para trás se a tal fosse obrigada!

Afonso mostrava-se alegre com aquele sorriso encantador e os caracolinhos dourados, brincando no chão da sala com os seus brinquedos, provando que é preciso tão pouco para uma criança se sentir feliz. Beatriz continuava na azáfama de tentar deixar tudo mais ou menos limpo de areias e arrumado, sempre com um olho no pequenino e no seu brinquedo preferido de sempre: a bola! Luís, marido de Beatriz, assumia as tarefas do costume, e não menos importantes que as de Beatriz, estava lá fora de mala do carro aberta tentando colocar lá dentro tudo aquilo que haviam levado e que agora parecia ter dobrado de tamanho, sim, porque o entusiasmo das arrumações no sentido das férias é infinitamente maior que quando estamos de regresso. Mas Luís era paciente, e lá estava, olhando para as bagagens e para a mala do carro e pensando de si para consigo que alguém lhe tinha trocado o carro durante a noite: aquela pequenina mala tinha mesmo carregado tudo aquilo aquando da partida de Lisboa para o Algarve!? Ele tinha as suas dúvidas. Beatriz, observava sorrindo o ar de seu marido, pela janela da cozinha, e metia-se com ele quando ia lá fora deixar-lhe mais alguma coisa para ele encafuar dentro do carro, ele fingia-se zangado, mas os dois acabavam sempre por rir às gargalhadas daquela situação, toca a tirar tudo e voltar a reorganizar. Luís, por ele, deixaria metade para trás, mas Beatriz, com o seu jeito sedutoramente convincente levava sempre a melhor.

Já só faltava passar revista ao primeiro andar da casa, onde ficavam os quartos e onde ainda se encontrava a preciosa almofada de Beatriz. Para não deixar o pequenino Afonso sozinho, uma vez que o pai continuava lá fora, e assim deveria permanecer por uns bons tempos, pegou no menino, colocou-o encaixado na sua anca e lá foi, cantarolando com o seu pequenino amor, feliz por ter um tesouro nos braços, até ao primeiro andar da casa de férias.

De volta do primeiro andar, Afonso continuava encaixado na anca de Beatriz, na outra mão ela trazia a almofada. Ao fazer a curva da escada, no lugar onde o degrau estreita, Beatriz coloca mal o pé e sem saber bem como, com Afonso ao colo, os dois em desespero, ela gritando “meu filho” e ele gritando “mamã” naquela vozinha tão desesperadamente doce, desce as escadas em desequilíbrio, de três em três degraus, encarando o chão de frente. Ao ver o chão aproximar-se a uma velocidade vertiginosa, Beatriz instintivamente se contorce por forma a virar-se de costas para o chão, proteger o menino abraçando-o com a almofada que permanecia na sua mão esquerda, estatelando-se assim no chão com o filho por cima. Na fracção de segundos que durou a queda, passou tanto pela cabeça de Beatriz, mas o seu filho era a sua única preocupação.

Entretanto já Luís entrara disparado pela porta adentro, ao ouvir os gritos desesperados de sua mulher e filho. Também ele se sentiu desesperado perante o cenário. A mulher, deitada no chão abraçada ao filho e o menino gritando. Beatriz só queria ter a certeza de que Afonso estava bem, pois ela sentia que não se poderia mexer, pelo menos não naquele momento. Luís agarrou no menino que continuava gritando pela mamã, e tentava acalmá-lo. Os tios de Beatriz que passavam férias na casa do lado acorreram a ajudar e enquanto Luís acalmava o menino, os tios acudiam à mãe. Beatriz pedia calma a todos e só depois de lhe terem garantido de que o seu filho estava bem, apenas assustado, ela conseguiu então pensar em si. Percebeu que teria dificuldade em levantar-se do chão. Segundo o tio, tinha um pé completamente em sangue pisado, devia ter sido um entorse dos feios, mas ela nem sentia nenhuma dor no pé, devia ser de estar tão quente ainda. Rebolou no chão e com a ajuda dos tios levantou-se com dificuldade e foi para o sofá com gelo no pé. Esteve assim cerca de uma hora, a noite aproximava-se e ela queria retornar a casa, em Lisboa, ainda naquele dia. E assim foi, Afonso adormecera exausto no colinho do pai, foi colocado na sua cadeirinha, Beatriz instalou-se no carro também com um saco de gelo atado ao pé, e assim seguiram viagem.

Passou a noite com vómitos, devido aos nervos, e no dia seguinte, no hospital, os raio-x mostravam duas vértebras fracturadas e uma entorse no pé, viriam pelo menos dois meses de baixa médica, e um colete horroroso que lhe impediria de se dobrar e de fazer coisas tão simples e preciosas como pegar o filho no colo, dar-lhe banho, etc.

Quando contava aos seus pais, já mais tranquila, a sua “aventura”, a mãe, por entre um sorriso preocupado deixou sair: “Ao menino e ao borracho, põe Deus a mão por baixo”


Escrito para: Fábrica de Histórias - baseado em factos reais

[2011/01/22]

21:31

Ess'amor - Sara tavares

Eu sei que vens,
chegas na tua calma ansiosa,
de sorriso nos olhos e brilho no sorriso.
Eu sei que vens,
trazes contigo dias de reclusão,
de passos pesados e o Mundo nas costas.
Quando chegas,
libertam-se abraços,
e o pesado dos passos vira uma pluma pelo ar.
E quando chegas,
a Liberdade ganha asas,
e a intensidade que me passas, faz-me acreditar.
Quando estás,
é neste colo que te recolhes,
te encontras e te revolves.
e quando estás,
o certo faz todo o sentido,
o errado não existe, e eu estou cá.
Visita-me,
usa-me e dá-me vida,
como a poesia que habita,
na essência do Amor de quem acredita.

Acredita, a felicidade é possível,
o medo no amor é heresia,
e muito mais que uma companhia,
há uma vida para ser vivida...
Vive-me!

[2011/01/21]

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Minha mão @olhares.com por Mário Rodrigo


Cazino - Lição de Vôo

... sinto a aragem fresca e o aroma doce de um campo florido,
quando fecho os olhos e te contorno o rosto,
um sorriso se espreguiça e tudo fica mais bonito,
tenho uma mão onde nasce o Sol e a outra no Sol posto,
abraço o Mundo todo no teu corpo,
dou todo o Amor que habita em mim,
quero arder na fogueira dos teus sentidos,
não quero fugir nem ser dona de mim,
e renascer das cinzas numa chuva de Amor,
perder-me até onde a loucura for,
esbanjar nos sentidos, viver todas as emoções,
essas que se vivem nas nossas pulsações,
quando juntas caminham em direcção àquele lugar
onde ambos queremos para sempre ficar,
onde nos libertamos do que nos quer aprisionar,
e onde não deixamos que ninguém se intrometa,
porque é nosso o momento, é vida a acontecer,
é um dar muito e tudo receber,
é vogar nas ondas do prazer!

Quando eu seguro a tua mão, estou a dar a mão à vida!

[2011/01/20]
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Embondeiro por Fernando Lusbelo

Leonor passara toda a sua infância revoltada contra o país que a viu nascer. Na sua infantil genuinidade, também esta revolta, esta raiva, saiam bem do seu âmago, bem do mais profundo do seu ser. Leonor nasceu em Angola, em meados dos anos setenta. Viu, sem saber ler nem escrever, os seus pais e os pais de tantos outros meninos e meninas serem despojados de toda uma vida, de tudo o que haviam construído de raiz num país que diziam ser também Portugal, mas que distava alguns milhares de quilómetros, e onde os horizontes eram distantes, a terra era vermelha e as árvores parecia terem nascido de pernas para o ar, ou melhor, de raízes para o ar – os imponentes e maravilhosos Embondeiros. Tudo o que interessava a Leonor saber naqueles tempos, era aquela, que para ela era uma verdade insofismável! – Angola tratara mal aqueles que tanto a amavam. O coração de Leonor sentia-se impotente para perdoar tamanha maldade, tamanha injustiça. Leonor era pequenina demais para perceber que a culpa não era daquele enorme país, mas sim da mesquinhez e ganância dos Homens, ganância pelo poder a todo o custo. Cresceu numa infância ausente de pai, porque mais uma vez, África, agora ela transportava já a sua crescente raiva para todo o continente africano, lhe subtraía a presença de seu pai, que nunca se adaptou à metrópole. Parecia correr-lhe nas veias sangue africano, embora nascido fosse numa aldeia de Trás-os-Montes. Qualquer referência da mãe, ou do pai aquando das suas rotações por Portugal, a um possível regresso a Angola se a situação estabilizasse, produzia em Leonor um turbilhão de sentimentos dos quais o mais positivo seria a revolta, a incompreensão! Como poderiam os seus pais, depois de tudo o que aquele país lhes causara, ainda quererem voltar. Leonor habituara-se a ouvir que Angola era mágica, e que quem bebeu a água do Bengo nunca mais se conseguiria libertar dessa magia. Mas para ela, tudo, todo o seu sentimento por aquele país permanecia imutável ou, em última análise, em crescendo de raiva. Fazia-lhe mal, revolvia-lhe o estômago, principalmente naquela fase da adolescência, o facto de sequer se equacionar um regresso, ainda mais agora que finalmente tinham conseguido alugar um pequenino apartamento e que ela já tinha os seus amigos, não podia pensar em perder tudo isso. Acompanhava os pais a uns encontros, que muitos diziam de forma pejorativa, de retornados, e detestava. Essa era também uma revolta de Leonor, como poderia ela ser rotulada de retornada se tinha nascido em Angola e a primeira vez que pisou solo da metrópole foi naquele fatídico ano de 1976! Leonor começava a perceber também como muitas pessoas podiam ser tão pequenas de espírito. Mais tarde, viria a responder a essa pequenez com uma frase de Fernando Pessoa: “porque eu sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura”, e Leonor via em grande, em grandeza de alma.
A determinada altura do seu processo de crescimento, Leonor deparou-se interiormente com uma questão que a exaltava: porque seria que tanta gente, e não só seus pais e familiares, nutriam um amor tão imenso por aquele país!? Agora, a raiva que se tinha acomodado sem pedir licença no seu coração, vacilava. Ou melhor, pela primeira vez não a ruborizava nem lhe trazia lágrimas aos olhos, lágrimas essas que ainda hoje verte sempre que vê imagens sobre a descolonização, não – pela primeira vez, de uma forma mais ou menos pacífica Leonor se questionava sobre o assunto. Tomou então uma decisão, veiculada por aquele sentimento corrosivo que tantos anos carregara dentro de si – tinha de ir sentir in loco. Ela tinha de ir a Angola! Não seria de ignorar tamanho sinal que saía de dentro de si, ela sentia que, assim que pisasse a Terra da terra vermelha, todas as respostas que buscava lhe surgiriam naturalmente.
Envidou todos os esforços no sentido de tornar realidade a sua determinação, aquele que se tinha tornado em pouco tempo o seu maior sonho, a sua maior ambição – conhecer o país que a viu nascer mas que não lhe deu a possibilidade de lá crescer – ou talvez, e melhor dizendo, que não teve a oportunidade de a ver crescer. Muitas burocracias precisariam de ser ultrapassadas, mas em virtude do seu pai ter conseguido obter numa das suas viagens à cidade onde viviam, uma certidão de nascimento que depois de devidamente autenticada pelas entidades competentes lhe foi valiosa para a obtenção do passaporte Angolano com o qual arrepiaria caminho no processo de preparação da viagem. O motor para toda esta entrega ao seu sonho era aquela raiva que, ainda que agora sentida de uma outra forma, não deixara ainda de ser raiva, e Leonor sorria ao pensar como um sentimento tão negativo podia dar origem a algo tão positivo! Mesmo que desta viagem Leonor trouxesse apenas certezas para a sua raiva, ainda assim teria valido a pena, porque teria uma maior base de sustentação para o próprio sentimento.
Naquele dia, Leonor que não tinha o menor medo de andar de avião, sentia uma náusea apoderar-se do seu interior, sentia que o seu coração batia a trote, camuflado por uma aparente calma, sua companheira arma de defesa de toda a vida. Só Deus, e ela própria sabiam tudo o que se passava dentro dela.
Aterrou no 4 de Fevereiro, aeroporto de Luanda, naquela madrugada de Abril. Com ela levava um sem número de recomendações – tem cuidado, não andes sozinha, não bebas água que não seja engarrafada, enfim… entre tantas outras do género. À sua espera um grande amigo e aquele que seria o seu suporte logístico, e não só, nesta sua “aventura”, Rodrigo, um grande amigo angolano. Depois dos cumprimentos efusivos e saudosos, dirigiram-se à saída, entraram no jipe e atravessaram uma cidade caótica e selvática, enquanto Rodrigo lhe ia dizendo que Angola não era Luanda para que ela não entrasse em pânico.
Mas Leonor já tinha percebido. Assim que pisara aquela terra, assim que respirou fundo aquela atmosfera, assim que perdeu os sentidos naquele horizonte, Leonor percebeu. E quando, na manhã seguinte fez a sua primeira incursão pela beleza natural, quando sentiu o cheiro e a pele arrepiar-se, quando viu aquele nascer do sol, foi como se o Sol nascesse dentro dela, e o sorriso daquelas crianças com tão pouco, transformou por fim o que restava da raiva em Amor. Amor do mais puro à sua terra!


[2011/01/16]

12:01



More than words - Extreme

Um dia, talvez que também as palavras me abandonem!
E, nesse dia, acabarei de morrer a morte lenta, apressada pela vontade de ser para além de palavras bonitas.
As palavras são fortes, mas são só palavras que ficam na quietude das acções, no silêncio das vozes, escondidas no regaço dos medos e incertezas, que não são meus...
... e eu, nada sou... sem palavras...
Sinto que se aproxima o dia, e escrevo numa luta contra o tempo, mas faltam-me já as palavras, ofereci todas as minhas preferidas, todas as mais sentidas, e senti-me sempre mais rica pela partilha!
Não sei o que será de mim depois das palavras gastas, pelo desuso de guardá-las para mim, acabei por perdê-las ...

...e algo morreu dentro de mim...


[2011/01/11]
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s/t @olhares.com por Jerónimo Afonso



É densa a neblina presente no meu olhar quando, absorta nos meus pensamentos, vagueio pelos lugares trágicos, dos naufrágios da minha tão intensa e avessa vida. Não são as lágrimas, sempre presentes companheiras da minha solidão, que me turvam a vista, com o seu toque suave e salgado, que me sulcam o rosto com agrado, lavando-me a alma e afundando as tristezas no mais profundo dos mares do meu Ser - a minha Alma, não! São sim as ondas daquele Mar bravio, que me salgam o corpo em abandono, e me transportam, cega na minha entrega, no vogar do seu embalo, para aquele ancoradouro de sonhos.
Por vezes, rio-me insana das ironias que o destino me traça, como as amarras de uma barcaça ancorada no cais dos sentidos onde, ao mesmo tempo, sofro o sofrimento mais doído e onde sou tão imensamente feliz.. Atribuo às marés esse facto, porque eu livremente aporto e me deixo ancorar - e ali fico - sentindo apenas o doce ondular, e esperando, como quem nunca deixa morrer a Esperança, que a próxima viagem esteja quase a começar, e quando esse momento chegar, içarei as minhas velas e recolherei a âncora e levar-te-ei ao leme, física ou espiritualmente, porque tu estás sempre comigo, como um guia que me protege, me ensina e engrandece.
Na nossa constante partilha, fazêmo-nos ancoradouro e barco, e vice-versa, como aquele abraço forte, que só quem tem alma grande sente, e só quem ama pode.

Escrito para: Fábrica de Histórias [palavras para uma imagem]

[2011/01/08]

23:46


Eu sei que vou te amar - Elis Regina


Foi meia noite naquele segundo eterno em que vivi o teu abraço como presente.
Foi meia noite no meio daquela exaltação de que estive ausente.
Foi meia noite, numa lágrima, num pensamento emocionado,
continua sendo meia noite, no meu olhar cansado.
E, no meio da meia noite, um Brinde em silêncio no escuro:
Ao nosso Amor, ao nosso Futuro...

Tchim tchim
[2011/01/01]
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