Rui era um menino como tantos outros da aldeia. Pobre e feliz como só os meninos pobres sabem ser. O seu sorriso era do mais genuíno que existe e espreguiçava-se na sua face pelas coisas mais simples que se possam imaginar.
Rui adorava sair da sua pequena casa para ir brincar com os outros meninos no descampado do bairro. Invariavelmente, a bola de trapos ou de papel era o passatempo predilecto da garotada. Ouviam-se gritos de alegria, e outros mais próprios de um jogo de bola, já que não se pode falar exactamente em futebol.
A mãe de Rui, Felicidade, passava sempre com o alguidar à cabeça, transportando a água que mais tarde teria de servir para cozinhar e para os banhos de seis pessoas, dois adultos e quatro crianças.
Os irmãos de Rui eram mais velhos e andavam na escola. uma escola onde faltavam muitas coisas, quase tudo, menos a vontade de aprender. Faltavam até as paredes. Rui estava desejoso de poder ir para a escola, era já para o ano.
No entanto algo o trazia preocupado, Rui andava sempre descalço, por um lado gostava, por outro nunca tinha conhecido outra realidade, os irmãos tinham uns sapatos que a mãe tinha encontrado num contentor de lixo num dos bairro ricos da cidade mais próxima, e outros que o pai tinha pedido na igreja para que os filhos pudessem ir à escola que ficava algo distante. A preocupação de Rui era a de não ter uns sapatos para poder ir à escola.
- Não penses nisso, dissera-lhe Felicidade. Até lá tudo se resolve.
Mas Rui não se convencia. Faltavam menos de quatro meses para também ele poder ir à escola e ainda não tinha sapatos. Tomou então a decisão de que teria de ser ele mesmo a resolver aquele problema.
Durante uns dias ninguém o viu no campo da bola. A mãe passava, como sempre, perguntava por ele, mas os outros meninos não sabiam. À noite, perguntava-lhe por onde tinha andado mas ele respondia com evasivas. E assim se passaram alguns dias.
Da mesma forma que tinha desaparecido do campo da bola, a ele regressou, mas sem nada falar aos seus amiguinhos do que tinha andado a fazer.
Passaram as férias dos irmãos mais velhos e começava a excitação pela proximidade do grande dia, mas vendo a mãe muito triste um dia, Rui perguntou-lhe: - Que se passa, mãe? Porque estás tão triste?
- Ainda não te consegui arranjar uns sapatos para que possas ir à escola, meu filho - disse pesarosa.
- Olha, mãe, não te preocupes que eu já arranjei uma solução - respondeu Rui, exibindo aquele sorriso radioso.
A mãe, espantada disse: Como assim, Rui? De que estás a falar?
- Anda mãe, vou mostrar-te, vem até à rua, mas só quando eu te chamar - disse Rui.
Dirigiu-se para a porta e saiu, daqui a uns instantes chamou a mãe: - Anda mãe, já podes sair!
A mãe saíu e...



imagem

... deparou-se com os sapatos mágicos.

" A necessidade aguça o engenho."


[2012/01/29]
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... e tu que sabes tanto de mim,
tu que sentes quem eu sou,
dá-me o teu corpo como ponte que me salve,
do que o medo fechou...


Tracy Chapman - Baby can I hold you

Todas as respostas cabem num amargo engano.
Todas as fracções do tempo que procurei absorver inventando desculpas para as respostas que não queria ouvir, também cabem num amargo engano.
Todos os enganos que não pensei, acabam por me assaltar sem pudor e com desprezo. Amargos e cruéis.
Não são os sentimentos, mas a forma como se vivem os sentimentos, o respeito que se lhes tem.
Não são os silêncios e nem sequer são os amores ou desamores. São apenas os amargos enganos.
Não perco tempo lamentando o tempo porque apenas lamento o que não aproveitei.
E aproveito o momento, em que ergo a cabeça para assumir mais um engano amargo dos meus.
Acredito que continuarei sempre cometendo enganos, enquanto teimar em acreditar que as emoções comandam.
Como um amargo engano nos enche de respostas evitadas, realidades escondidas e desilusões previstas.
Foi apenas um engano, e esse engano foi meu.
E como sempre na minha vida, eu assumo, mais um amargo engano, mais uma aprendizagem.
Não foi engano o meu Amor, também não foi engano o teu Amor.
Apenas foi engano o tempo, o espaço deste encontro.
Vou aguardar para acertar no tempo em que os enganos não mais me procurem para brincar com as minhas emoções.
Vou aguardar, vivendo, porque chegues no tempo certo, no espaço exacto.
Sem enganos...

[2012/01/28]

Twin Peaks - intro

Olá, o meu nome é Ângela e sofro de uma mania que me começa a incomodar. Molamania.
O meu marido já olha para mim de lado, os vizinhos riem-se de mim, até o meu filho que tem apenas três anos já se mostra intrigado com a minha atitude.
Levei tempo a assumir esta minha mania, ou obsessão se preferirem. Primeiro não lhe dava importância, a coisa corria naturalmente e quase nem dava conta de que chegava a levantar-me da cama de propósito a meio da noite por não conseguir deixar de pensar naquilo. Era intolerável estar ali na cama enquanto lá fora...
Bom, pior pior foi quando um dia saímos para passar o fim de semana fora e eu obriguei o Filipe a fazer 50 Km de volta porque me lembrei que não tinha deixado tudo como deve de ser. Ele ainda perguntou o quê, se não tinha fechado a porta à chave, se não tinha desligado o gás, o que poderia ser tão importante para que tivesse de regressar depois de 50 Km feitos. - Não é nada disso - garanti-lhe, mas tenho mesmo de voltar. - E ele assentiu e voltou mesmo.
Uma outra vez, com a casa cheia de visitas, um jantar no forno para servir acabou queimado porque eu não resisti e tive de ir ao terraço só por causa disto. Quando voltei, estava o Filipe e mais dois ou três convidados a tentar salvar o lombo de porco que ... não resistiu.
O meu filho, pobre Bernardo, quantas vezes já se viu privado da sua história para adormecer, porque a mãe, feito louca, desaparece assim que se lembra do assunto? Um dia, olhou para mim com um ar tão contrafeito e triste, que penso que foi isso que me trouxe aqui até esta reunião dos Maníacos Anónimos.

O meu nome é Ângela e sou uma professora primária. Sofro de Molamania..
Isto significa que não posso pensar em deixar as molas da roupa no estendal do terraço, que sofro um impulso imediato de ir resgatá-las, Não consigo dormir, comer ou respirar se pensar que existem molas, sozinhas, no estendal do meu terraço.

O meu nome é Ângela, e preciso de ajuda para superar a Molamania.

Texto escrito para: Fábrica de Histórias


[2012/01/22]
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Pedro Abrunhosa - Deixas em mim tanto de ti


Há momentos em que me sinto um campo magnético que atraí perversamente a dor a si mesmo.
E em outros momentos sinto apenas que sou um refúgio onde a dor se abriga, se acalma e se reverte.
Hoje albergam-se outras dores em mim, no peito, e nem são dores de alma. Melhor assim, estas não doem tanto assim e não terão, porque eu não consentirei, uma consequência tão devastadora como as outras.
Reinventei-me e não sei se alguém o percebeu, ou sequer que alguém se interessa por isso. Eu sei, que se tu soubesses terias orgulho no meu caminho. Não sei onde ele me leva e nem me interessa, se não me leva a ti, sigo apenas, na busca pelo avesso da dor.
Os rasgos de dor que me arrebatam o corpo não são mais que reflexos d'alma, abanam-me, deixam-me desconcertada, brincam com as minhas convicções, com as minhas determinações. A outra dor não deixo que me possua, simplesmente não permitirei. Afinal, sou o que sinto e sinto muito o que sou.
Todos os dias encaro as minhas dores de frente, com o respeito que me merecem cada uma delas, alojadas no meu peito, abrangentes, espaçosas, provocadoras. E todos os dias me rio um pouco delas, da sua altivez, da sua pouca vergonha. Vivemos assim nesta estranha e complexa cumplicidade, como três corpos ocupando um mesmo espaço, um espaço que antes era apenas meu e de ti.
Trago-te colado ao lado esquerdo do peito, da mesma forma como aquela outra dor se pegou ao lado direito do meu peito.

E pelos dois lados do meu peito, lutarei até ao limite das minhas forças e contra todas as adversidades. Eu, o meu sorriso, as minhas lágrimas mas, essencialmente, o Amor que tenho em mim...

Até já...

[2012/01/21]

23:20


Bill Withers - Lean on me

Não escuto palavras que façam esquecer todas as minhas dores, mas aprendi a retirar dos silêncios toda a força que me permite seguir sempre em frente. Não há tempo para lamentos, para cabeças enterradas na areia. O sereno da paisagem que procuro, como se a meu lado tu estivesses, dá-me todas as respostas para as perguntas que não te faço.
Não desisto de ti: Jamais!
Não desisto de ti enquanto não me encarares para me dizer que não me queres mais por perto, neste perto cuja definição só nós conhecemos. Não desisto de ti enquanto pessoa importante e especial que és para mim, não por seres o amor da minha vida, mas por seres TU.
De mim, terás sempre o retorno até daquilo que não dás. Quando se dá, quando se ama, não se pensa em receber de volta, embora exista esse desejo sempre presente.
Quando perco a minha alma nesta paisagem que me apazigua, tudo se faz Luz, tudo se revela como se fosses tu a olhar-me nos olhos, sinto percorrer-me o corpo uma energia imensa que me revitaliza, que me dá um novo alento.
Quero dizer-te o quanto te admiro, e desenho uma estrela na areia, quero dizer-te o quanto te quero bem, e desenho na areia um coração. A maré está baixa, não haverá onda que arranque este sentimento de dentro de mim. Não haverá silêncio que te afastará, nem haverá nada que um dia me faça não te querer bem.
Não desisto de ti, porque é nestas alturas que mais precisas de mim, e eu estarei sempre aqui...

[2012/01/17]

00:37



Train - Drops of Jupiter

... 2010.

Para mim, decorria o ano de 2010, e com ele apareceste tu na minha vida. Percebi desde o primeiro momento que eras diferente. Não na aparência, porque aí, vestias a mesma roupagem que o comum dos homens, porém os teus olhos deixavam transparecer uma singularidade que me encantou. Uma conspiração galáctica uniu-nos naquele momento que ninguém previa e nascia ali um sentimento novo, que atravessava todas as constelações de estrelas até há data conhecidas.
Ensinaste-me tanto, falaste-me da forma como vias a humanidade, o desconcerto pelo rumo que havia tomado, a tristeza de não ter a fórmula secreta para que se desligasse o complicómetro e voltassemos às origens. Ensinaste-me muito, questionei-te e penso que também eu terei, não moldado a tua visão, mas pelo menos ter-te feito despertar para outros factores que também poderiam corromper a simplicidade com que se apresentava para ti a vida.
Para mim, tu eras de um lugar mais à frente, de um tempo mais evoluído. Procurei dentro de mim e por onde pude o método, a filosofia certa para te conseguir acompanhar, tentei corromper eu mesma o Universo que não podia ter conspirado para este nosso encontro em vão. Corri desalmadamente e cheguei a pensar ver todos os planetas alinhados à minha frente e lembrei-me logo de quando me falaste das previsões para o ano 2012. Eu sabia que tu estavas bem mais à frente mas não me quiseste alarmar e nada mais me falaste sobre o que de facto iria acontecer. Deste-me a tua mão e ficaste assim, olhando-me nos olhos com uma tranquilidade invulgar.
Durante muito tempo apresentaste-te como um prisioneiro da tua própria vida, mas um prisioneiro que sabia que mais cedo ou mais tarde se libertaria mas por circunstãncias alheias a si mesmo, isento da responsabilidade que lhe vergava o corpo. Acreditavas e eu acreditava também que todas as histórias têm o seu tempo, aquele que eu queria regular desesperadamente e que tu, pelo teu lado e munido de outros instrumentos que me eram desconhecidos, te limitavas a aguentar e a esperar.
Eu começava a acreditar que 2012 podia ser o ano de todas as revelações. Não sabia exactamente o que iria acontecer, mas a energia que recebia da tua presença tão efectiva em mim, os abalos que me provocavam as tuas palavras, as ditas ou as apenas sentidas, eram catalisadores de esperança.

Hoje sei que não me interessa qual é o teu tempo na realidade, se vives em júpiter ou em marte. O que sei é que sintonizamos a mesma frequência e somos os dois muito simples na arte do Amar. Não amar um ao outro, ou um e outro, mas Amar a vida, o próximo e a natureza. O que sei, é que correrei todos os planetas e até aqueles que já não constam, só para poder estar contigo.

Teletransporto-me agora... recebe-me só...

Escrito para Fábrica de Histórias

[2012/01/15]

Mafalda Veiga - Imortais

Especialmente hoje recordo quando eramos crianças e corríamos pelos corredores daquela mansão, alegremente. Corrias atrás de mim e eu fingia não querer que me apanhasses num jogo de charme tão inocente quanto inocente pode ser uma criança. Anos mais tarde voltamos a falar daqueles tempos. Conhecemo-nos há uma vida, não é? - E talvez um pouco mais. Existe entre nós um amor tão puro que não se rende às pressões constantes que esta vida de adultos nos impõe. Lembras-te como as nossas gargalhadas rompiam pela casa dando-lhe uma vida que ainda hoje parece perpetuar, não obstante todas as ausências? Tenho saudades desse tempo e de ti, minha criança doce, amiga, meu menino de alma pura que me encanta - onde estás?
Lembras-te? - Mais crescidos continuamos as brincadeiras só nossas, que mais ninguém percebia o que era para nós um motivo maior de alegria. Tão bom sermos os únicos a saber desta nossa felicidade, não achas?
Hoje, corro por uma mansão cheia de labirintos de portas fechadas, não de ti, mas em busca de ti. Não de te agarrar, ou de te prender, mas de te encontrar e de em ti me reencontrar. A minha voz também se cala para se juntar à tua e as gargalhadas são omissas. Por vezes são as lágrimas que me fazem continuar a avançar e a querer perpetuar as nossas memórias. Por vezes penso que te encontro, volto a escutar a tua voz e de novo de imensa alegria se inunda a minha alma, mas a casa é tão imensa, as portas são tantas, que invariavelmente entro dentro de um espaço vazio até sentir o desespero tomar conta de mim.
Há dias em que tudo é mais pacífico, em que existe uma aceitação de que crescemos e não somos mais aquelas duas crianças tão cúmplices. Custa-me perder-te assim -não perder-te na verdadeira essência, porque eu sei e tu sabes que seremos sempre o outro lado da mesma moeda, mas custa-me não partilhar mais as gargalhadas contigo, os jogos de sedução, o dar de um dar tão genuíno e o receber de um receber tão disponível.
Queria voltar a ser criança, a tua criança, aquela que recebeste nos teus braços quando ninguém olhava e a quem disseste ao ouvido aquilo que tu sabes. Corrijo: serei para sempre a tua criança, e estarei sempre do outro lado daquela porta da qual guardas a única chave que lhe serve, que a abre.
Vem, eu prometo que fujo para que me persigas, e prometo deixar-me apanhar para te atiçar o desejo, sim, porque já não somos mais crianças. Vem, que eu volto a fugir e correrei o mais que puder para prolongar este jogo que nos mantém unidos até nas ausências...

[2012/01/13]


"Something always brings me back to you. It never takes too long.
No matter what I say or do I'll still feel you here 'til the moment I'm gone.
You hold me without touch. You keep me without chains.
I never wanted anything so much than to drown in your love and not feel your rain."


[2012/01/12]


Mónica Ferraz - Golden Days

Amanhecia o mesmo dia difícil de todos os dias, a rotina instalada, o automatismo dos movimentos, das acções.
Do mundo dos sonhos já nada restava, a realidade era a que se apresentava. Cara fechada, pensamento distante, olhar vazio e ausente. O pequeno almoço, fonte de energia, não era mais que a obrigação que me permitia aguentar-me em pé um dia inteiro de trabalho, e não digo em pé na verdadeira acepção da palavra, pois até trabalho sentado. Já sabia como acabaria o meu dia, e a dor era já demasiado forte para querer que o meu dia acabasse, as coisas são mais lentas do que desejava. Estou farto!

Desde o dia do acidente, desde que percebi que o meu sonho de vir a ser piloto nunca passaria de um sonho, a vida perdeu a cor e perdeu o sentido. Desejei tanto que terminasse ali a minha história, não ter de enfrentar mais nada, não viver para assistir ao fracasso, à discriminação. Foram tempos muito complicados que só com a persistência e paciência da minha namorada, Verónica, eu consegui ultrapassar. Ela nem se zangou pelo facto de eu estar a ser egoísta ao ponto de querer morrer e deixá-la sozinha, antes pelo contrário, disse-me olhando-me nos olhos com aquele olhar só dela, de que estaria sempre ao meu lado e que juntos íamos acabar por transpor todas as barreiras que hoje se afiguravam intransponíveis.

Nesse dia, mais um um, que acordou vestido de cinzento, um cinzento que só eu via, porque na realidade parecia que reconhecia um resto de Sol entrando pela janela, Verónica chegou, enérgica como sempre, acabada de regressar do seu jogging matinal, suando energia por todos os poros da sua pele e lançando-me o sorriso mais bonito que alguma vez pude receber.
- Então, meu amor, vamos?
- Vamos sim, era impossível não retribuir o sorriso. No entanto, estava bem ciente de que não conseguia retribuir a mesma intensidade, a mesma verdade que parecia viver em Verónica.

Ela era, sem sombra de dúvida o meu motor. Na verdade os momentos mais difíceis são já parte da nossa história, voltei a andar após muitas sessões de fisioterapia. Estava já bem mais motivado com este avanço e ainda assim me sentia insatisfeito. No ginásio, ao fim do dia de trabalho, deu-se o derradeiro baque em mim quando me queixei das dores que sentia nas pernas com raiva, dando um murro no colchão onde me encontrava. Aproximou-se de mim um outro rapaz, numa cadeira de rodas. Sorriu-me e piscou-me o olho enquanto me disse: "Ainda bem que te doiem as pernas, é sinal de qe tens pernas"
Olhei para ele, e fiquei sem saber o que dizer. Passou-me a raiva, passou-me o medo, passou-me o cansaço. Devagar, porque os meus movimentos ainda não eram seguros, aproximei-me dele, sem palavras abracei-o com as lágrimas a correrem no meu rosto. Apenas consegui balbuciar um "Muito obrigado. Acordaste-me!"

Carlos não estava zangado ou triste, e todos os dias eu o via no ginásio a lutar arduamente por uma vitória a cada nova batalha, nunca lhe ouvira um queixume. Carlos tinha sido amputado das duas pernas e agora procurava fortalecer-se de forma a que lhe pudessem ser aplicadas duas próteses. Carlos tinha perdido as duas pernas num acidente de trabalho na construção civil. Carlos fez-me perceber a minha pequenez com uma frase tão simples e eu só podia agradecer aquele murro no estômago.

Desde o dia do meu acidente de mota, enquanto acelerava orgulhoso a minha potente mota, destemido e irresponsável, a vida perdeu o sentido para mim. Desde o dia em que percebi que apesar dos pesares eu tinha muita sorte pois estava inteiro e principalmente vivo, a vida ganhou um novo sentido. E isso eu devo-o a duas pessoas: Verónica e Carlos.

Para SEMPRE!

Escrito para: Fábrica de Histórias

"Dê a quem você ama, asas para voar, raízes para voltar e motivos para ficar" 
Dalai Lama


[2012/01/09]
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Do reino do para além do bonito... e tão TU... 




Minha laranja amarga e doce
meu poema
feito de gomos de saudade
minha pena
pesada e leve
secreta e pura
minha passagem para o breve breve
instante da loucura.

[2012/01/07]

17:29


Ingrid Michaelson - Morning Lullabies

Quando eu não souber conjugar as palavras que chegam à tua alma, lembra-te que que no meu silêncio estão sempre presentes, e verdadeiras, todas as declarações de amor, das mais ridículas, [como cabe a uma verdadeira declaração de amor] às mais profundas que tantas vezes, talvez demasiadas vezes, proferi. Umas vezes olhando os teus olhos e outras apenas em pensamentos que sei te chegaram por via daquele canal só nosso.

De todas as vezes que sentes necessidade de te vestir em silêncios mais ou menos demorados, lembra-te que em mim, está sempre a lembrança dos momentos vividos, e verdadeiros. Nos teus silêncios, há uma cantora que me vem sempre trazer o teu recado, aquele que uma vez me deixaste escrito num post-it que não era amarelo: " ... é que eu, quero-te tanto, não saberia não te ter/É que eu quero-te tanto, é sempre mais do que eu te sei dizer..." (1)

Sempre e quando os nossos caminhos não se interceptarem, faço questão de estar ao teu lado, seguindo a linha paralela que sempre busquei e posso fazê-lo mascarada de ausente se te fizer mais feliz. E sempre que for o teu desejo, porque o meu é constante, prometo quebrar todas as regras da geometria e farei com que a linha paralela se transforme em perpendicular. Não haverá motivos para que a matemática que também nos uníu, porque aprendi que em tudo quanto há também existe a matemática, não nos faça reencontrar naquele trapézio que tantas vezes refiro.

Se um dia eu já não souber falar-te de amor, lembra-te que te amei para além da capacidade que alguma vez pensei ter, para além de mim, e para além do que é matéria. Um amor de bem querer, longe ou perto, de palavras bonitas, mas mais que isso de sentimentos puros. E se um dia eu já não te souber ouvir, lembra-te meu amor, de que ouvi sempre mais a tua alma que as tuas palavras pois ela sempre foi mais concreta.

Mas por enquanto, aproveitando o facto de me restarem hoje palavras para te declarar o meu amor, lembra-te meu anjo, que te amo na tua existência e ... "Amo-te até nas coisas mais pequenas. Por toda a vida. E assim Deus o quisesse, Ainda mais te amarei depois da morte." (2)

(1) Imortais - Mafalda Veiga

(2) How do I love Thee - Elisabeth Barrett Browning, tradução de Manuel Bandeira

[2012/01/06]

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00:38

Katie Melua - I cried for you


Existe um lugar a que gosto de chamar "Nós".

Interstício.
É aquele pedaço de pele exacto em que os nossos corpos se unem numa osmose perfeita e onde se deixa de perceber o limite de um e de outro. O teu pedaço de pele, ou o meu pedaço de pele não existem, os corpos naturalmente se prolongam um no outro.
Insterstício.
É aquele toque dos lábios, quando me beijas a comissura da boca, e colas lábio teu com lábio meu, numa troca sem egoísmo, em que de repente já o meu lábio é teu e o inverso também é verdadeiro. São as línguas que juntas bailam no compasso das emoções.
Interstício.
É aquele reconhecimento que as nossas mãos fazem uma da outra, ou de um e outro rosto, como que procurando reter na memória do tacto todos os pormenores dos contornos, cada recanto do corpo, cada linha, cada desvio, cada pedaço desprovido de sentido.
Interstício.
É aquele breve momento, quando os nossos respirares se cruzam provocando aquele arrepio na pele, ou quando os olhares se fitam e se reconhecem dentro de nós.

Nós, somos felizes no interstício que nos une e nos separa. A linha ténue em que nos equilibramos.

Este é o lugar ao qual eu gosto de chamar de "Nós"!

" To me you're like a wild rose, they'll never understand why..."

[2012/01/06]
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 (Arte: "The Two Souls by Someone" - Michael Cann)


Led Zeppelin - Stairway to Heaven


É sempre um mistério esse mundo teu que timidamente me mostras num jeito misto entre o receio e o orgulho. É sempre um mistério entrar nele quando me abres a porta de brilho nos olhos e me estendes os braços para me apertar num abraço que é só deste mundo, do teu mundo. Tudo para lá dessa porta que me abres é mistério, tudo é pura sedução. Excitam-me os cheiros, excitam-me as palavras sussurradas ao ouvido, as mãos que me passam revista ao corpo como se toda eu fosse portadora de objectos ilícitos no teu mundo. Procuras por todos os meios um motivo para me castigares, mas tu sabes que não são precisas desculpas, jogo-me aos teus pés nesse lugar em que o teu mundo é o meu mundo e onde as nossas almas se fundem num jogo de sedução. "Seduz-me a alma" - Digo-te ao ouvido num tom provocador e maroto. Olhas-me nos olhos procurando a deixa para o momento seguinte, e todo o meu olhar aponta no mesmo sentido: Aqui, neste mundo vestido de mistérios e erotismos não há lugar para certos ou errados, disso estamos cheios no outro mundo. Aqui, simplesmente tudo acontece ao sabor das sensações e emoções, dos toques, dos olhares, da pele, dos cheiros, das palavras. É intenso este lugar, é luminoso mas ao mesmo tempo é intimista, é apertado e ao mesmo tempo sinto que nele cabe todo o meu mundo. Agarras-me com firmeza, como só essas mãos sabem como controlar o meu corpo, os teus olhos lêem-me os desejos e a partir daí o carroussel começa a rodar, e tudo é adrenalina, tudo é à flor da pele, tudo é liberdade. Nos momentos que se seguem sou simplesmente tua, de um ser submisso e depois de um ser dominante, e depois de um ser terno, e depois de um ser rude, e o carroussel não para e entre momentos repito ao teu ouvido: "Seduz-me a alma", e tu enlouqueces...

O som da viola torna-se mais presente, a melodia envolve o espaço e a Paz que é sempre nossa pertença nestes momentos, toma conta das nossas almas e transporta-nos para outra divisão do teu mundo... Como gosto de ir descobrindo cada lugar teu, cada pormenor, como gosto de ser por momentos parte do teu mundo...

[2012/01/04]

22:34




Mafalda Veiga - Largar mais

Todos os anos terminam invariavelmente em fogos, sejam de artíficio, sejam meras palavras luminescentes que acordam todas as vozes interiores que me habitam. Já não existem lugares seguros ou redes debaixo dos trapézios, e o oiro do incêndio propaga-se pelo meu Ser como um rastilho de genuinidade que me acorda para todos os flashes incandescendes de vida.

Todos os anos terminam invariavelmente em determinações, como por magia passamos a saber exactamente o que queremos, depois de um ano inteiro a patinar entre medos, palavras, acções, silêncios, omissões e outras tantas incongruências de percurso. Cada passa é um passo no sentido de uma nova concretização, cada grito de alegria é um sopro a todos os fantasmas que teimam em perseguir-nos e que agora, repentinamente, parecem temer toda a energia que nos salta dos olhos.

Todos os anos terminam. Tudo termina invariavelmente. Porém, cada fim pressupõe sempre um novo começo, um renascer. Cada promessa pode vir a não ser cumprida, cada objectivo a que nos propusemos pode até não ser alcançado, mas ainda assim existe um renascer invísivel na fracção de segundo em que um ano muda, é um breve momento, um suspiro, um piscar de olhos, mas já tudo mudou mesmo se não o percebemos na altura.

Não sou certamente a mesma e digo-o com regozijo, porque cada etapa é mais um crescimento, cada adversidade é mais um pedra do meu castelo, cada cedência, cada aceitação é mais uma batalha vencida no meu crescimento interior e o silêncio que aprendi a viver é mais um motivo para me orgulhar e para erguer a cabeça e dizer: Eu consigo!

Faço questão de me prostar no chão e de investir em lágrimas a cada regresso a casa sozinha nos primeiros minutos do Ano Novo. Mas não é tristeza, não é autocomiseração. Antes é o purgar do que me faz mal, é deitar fora tudo o que é negativo e me consome a alma. No minuto seguinte, renasço em força para enfrentar o que for do novo ano, e nesse novo ano há uma coisa de que eu faço questão: manter junto de mim todas as pessoas que amo e que me amam, retirar o melhor de cada momento e rodear-me de cores e sorrisos nos momentos mais tristes.

UM BOM ANO NOVO A TODOS/AS


[2012/01/01]
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