23:55



Este era um ano de grandes mudanças na vida de Carlos. Jovem adulto que teimava em não querer crescer. Era o que entre amigos se designa de "palhaço", mas sem qualquer carácter ofensivo, apenas porque era impossível não rir com o que quer que fosse que Carlos dissesse. Ainda que falando de um assunto mais sério, a forma como o fazia era só por si engraçada. Era um contador de histórias, engraçadas, ou que ele transformava em engraçadas e até de algumas desgraças nós rimos em grupo. Impossível estar-se mal disposto ao lado de Carlos.

Estava de mudança para um novo apartamento. Vivia ainda com os pais, pessoas simples, algo ingénuas, de tal forma que também elas muito engraçadas. Era domingo, e como sempre o café era o ponto de encontro. Vi entrar o Carlos com o seu ar meio alienado e sorri, o que nos traria hoje? Já vinha rindo o que motivou em nós uma enorme curiosidade.

- Então Carlos, já vi que trazes algo na manga - disse-lhe.
- Ele ria e ia dizendo - epah, os meus velhotes são o máximo - e ria que não conseguia parar.
- Mas o que foi - insistimos - já ríamos e ainda não tínhamos ouvido a história, e Carlos prosseguiu.
- Hoje começamos a mudança para o novo apartamento e eu disse à minha mãe que o elevador era inteligente e que bastava nós dizermos o andar em que morávamos que ele começava a andar.

Conhecendo a dona Cândida como conhecíamos, todos começamos logo a imaginar o que lá vinha, e Carlos continuou:
- Passei-lhe uns sacos para a mão e fiquei a vê-la dirigir-se ao elevador. quando lá entrou, ouvi-a dizer muito convicta : - sétimo esquerdo! Como o elevador não se mexia e ela continuava - Sétimo esquerdo! - Carlos ria agora que nem um perdido e todos nós com ele!
- e depois? - perguntámos.
- Depois saiu do elevador e disse-me com um ar muito triste: - está avariado, como vamos levar agora tudo até ao sétimo andar??

Pronto, foi a risada total. A partir daí o sétimo esquerdo ficou famoso. Só a dona Cândida para achar que o elevador para além de nos ouvir, ainda discernia o esquerdo do direito...

Baseado em factos reais (meados dos anos 90) e escrito para Fábrica de Histórias


[2012/02/26]



[2012/02/19]

Pedra da Anicha


Mafalda Veiga - Ouve-se o mar

Tinham-se encontrado há minutos atrás naquele sítio maravilhoso, rodeado do que mais belo a natureza nos pode oferecer. Ele tinha-lhe prometido que a levaria a conhecer sítios lindos, e este era um desses locais... a promessa cumprida!
Ela mal conseguiu conter as lágrimas ao sentir-se tão maravilhada e aborvida por tudo o que lhe estava a acontecer, por tudo o que a rodeava...
O local, a companhia... a natureza, o mar ao fundo, o céu, as estrelas por testemunhas...
 Era assim que se encontravam no momento, extasiados, envolvidos no perfume um do outro e ao mesmo tempo em completa sintonia com o ambiente que os rodeava, quase sem conseguirem proferir palavra... sentiam, sentiam, sentiam... tudo se lhes entranhava na pele e na alma, desde o marulhar das ondas lá longe, à ligeira brisa que lhes tocava os corpos e trazia o aroma silvestre do local misturado com um toque de sal e a humidade própria do clima...
 Sentaram-se abraçados, as costas dela no peito dele, o respirar dele junto ao ouvido dela... podiam ouvir-se os batimentos do coração... podia sentir-se o tremer da emoção... a ansiedade daqueles lábios, o desejo daquelas mãos e a entrega daqueles corpos àquela natureza e um ao outro, foi o que mais perto se conheceu em termos de perfeição, de sintonia... como se tudo fosse parte da mesma matéria, da mesma essência, um era o prolongamento do outro e não se conheciam os limites, não havia barreiras, reservas...era assim, só porque sim...
 Naquela noite, as estrelas testemunharam os olhares lânguidos de amor dos dois, sem promessas, apenas aceitação, enquanto se misturavam numa alquimia perfeita de união, e nesse momento o Universo se curvou perante tamanha manifestação de Felicidade, pura, genuína... uma entrega de amor sem exigir mais nada em troca... apenas que no céu as estrelas continuem a brilhar, que lá longe o mar não deixe nunca de se espraiar na areia, que a brisa possa sempre soprar porque...

... Também, para sempre, quem amar assim, vai amar...



Este dia aconteceu meses após o afastamento. Mas a afinidade é isso mesmo, é estar para além das palavras, é recomeçar o que se deixou para trás como se nunca se tivesse partido. É não perguntar, porque basta um olhar, é não cobrar, porque o importante é sentir. 
Sabiam que este encontro era apenas mais um. Mas a cada um, uma vida inteira se vivia, e num sorriso se resumiam uma imensidão de sentimentos. 
Eles sabiam que o seu amor era impossível, mas não menos verdadeiro por isso. Deram-se as mãos naquele entardecer, em que harmoniosamente amaram a vida, se amaram e se eternizaram naquele local. Era o seu local, especial por todos os motivos e onde voltariam, vezes sem conta, juntos ou separados ao longo de uma vida que se mostrava demasiado longa para ser suportável... 

Parte do texto escrito em 2008/02/23 e agora reeditado e adaptado para Fábrica de Histórias

[2012/02/17]

23:33


Adriana Calcanhoto - 8 anos


Um momento especial
Dois passos pequeninos
Três deliciosas gargalhadas
Quatro noites sem dormir
Cinco golos na baliza
Seis histórias de embalar
Sete abraços ao deitar

Oito anos de amor incondicional

Parabéns meu pequeno GRANDE Amor...

[2012/02/15]

23:45


The way I am . Ingrid Michaelson

Dá-me a tua mão.

Estes caminhos por onde caminhamos juntos podem ser íngremes, escarpados e até aparentemente inacessíveis, mas tu sabes que de mãos dadas com o Amor, todo e qualquer caminho se torna caminhável, todo e qualquer lugar se torna tangível.
Não falemos sobre a cadência dos suspiros nos tons mesclados do mar.
Não falemos dos arco-íris que nascem nas encostas da Serra deslizando até ao mar.
Os pássaros livres que dotam a paisagem de belos trinados, doces melodias, acalentam a alma dos apaixonados e ao longe, o marulhar inebria todos os meus sentidos. Fecho os olhos, sinto-te em mim.

Dá-me a tua mão.

Não são fáceis os caminhos da vida, mas são infinitamente compensadores todos os passos do Amor. Por vezes correm apressados, não evitando uns tropeções, e noutras calmos, caminham paulatinamente no compasso do bater do coração. São ansiosos, são pacientes, são essencialmente crentes, de que no caminho por onde andam, as emoções mais verdadeiras não se abandonam, e os sentimentos mais puros perduram.

Dá-me a tua mão.

Eu guio-te, como aquele farol num dia de tempestade. Não sei se para um lugar mais seguro, mas garantidamente para um lugar mais intenso, porque quando há amor, não há redes, apenas uma corda bamba onde nos equilibramos e onde tudo é à flor da pele. E depois, quando estiveres no meu colo, e quando os teus olhos que suplicam amor se perderem nos meus, eu vou perceber, e tu vais perceber, de novo, o que é sermos um do outro, um no outro... para sempre...

Tua
[2012/02/14]


Sara era uma jovem mulher, bonita, com uma áurea especial em torno de si, que atraía a atenção, o interesse, ainda que não fosse nada propositado. Já há algum tempo que se havia tornado numa mulher mais triste, um desgosto amoroso tinha subtraído à sua face aquele sorriso que lhe conferia uma beleza singular. Sara perdera o brilho, sim, é isso mesmo, a beleza continuava lá, apenas vestida de uma opacidade castradora. Sara perdera todo o brilho.
Arrastava-se nos dias, completamente perdida na melancolia. Sérgio tinha sido o grande amor da sua vida, era a única certeza que trazia consigo. A decisão de ruptura tinha sido sua, e sentia-se muitas vezes apontada pelos amigos por ter permitido que aquela relação terminasse assim, mas ela tinha os seus motivos. Não havia sido de ânimo leve que naquele dia de março o tinha olhado nos olhos para lhe comunicar a sua decisão.
Sérgio ficou sem reacção, ela sabia bem que ele não iria pedir-lhe para reconsiderar. Ele sabia bem o que se passava e como ela tinha toda a razão. Pesava-lhe nos ombros a responsabilidade por uma decisão que não era sua mas que tinham sido as suas atitudes a proporcionar. Olhou-a também ele apagado, tentou esboçar um sorriso que não nasceu, e ela, completamente embaciada pelas lágrimas, fechou a mão com força e partiu...
...
O tempo foi passando, e com ele a clareza de um amor que se deitou no lixo, a falta de uma cumplicidade genuína que pairava naturalmente sobre aqueles dois caiu sobre si - a saudade apoderou-se da sua alma provocando uma dor profunda. Sérgio cresceu, mais em dois meses que em dois anos. A confiança sempre foi o alicerce mais seguro de qualquer relação e ele não tinha sido suficientemente sábio para perceber isso e traiu essa confiança por nada. Trazia em si uma tristeza invisível que lhe amargava os dias. Sabia que Sara estava bem, sabia que ela, com a sua força interior iria ficar bem, mas sabia também que perdera o brilho e o gosto pela vida. Ele também se sentia assim. Não estava orgulhoso da sua atitude e o seu tempo era agora utilizado no sentido de perceber o que poderia fazer para corrigir o que de mal tinha sido feito.

Naquele dia, Sara passeava o seu golden no parque de sempre, ele sabia que a encontraria ali. Lá ia ela, linda, porém apagada, com a trela do cão numa mão e a outra mão fechada. Todos comentavam que Sara mantinha sempre aquela mão fechada. Aproximou-se dela e ela olhou-o como sempre fizera - nos olhos. Sérgio sabia que não adiantavam grandes argumentos com Sara. Ou se ia directo ao assunto ou qualquer rodeio apenas a faria exasperar.

- Perdoa-me, meu amor.

Ela perdeu uns bons minutos analisando aquela palavra dentro dos olhos dele. Nesses minutos, toda a cumplicidade surgiu de novo, porque a energia emanada daquele olhar lhe asseguravam a veracidade do pedido. Ele não sorria, mas num instante Sara largou a trela, e o cão correu contente e livre, e a outra mão, que por cerca de dois meses se mantivera fechada, abriu-se para destrancar o sorriso e o brilho que lhe haviam faltado naquele tempo.
Que linda estava Sara agora, o seu brilho iluminava também a alma de Sérgio que deixou cair uma lágrima ao mesmo tempo que lhe beijava o sorriso e sussurrava:

- Obrigado...


[...tenho um sorriso fechado na palma da minha mão/ sorriso que foi achado, caído no meio do chão... Trovante/84]

escrito para: Fábrica de Histórias

[2012/02/12]

23:19


(*) "Automat" de Edward Hopper


Fim do dia - Mafalda Veiga


Perdi por completo a noção do tempo, apenas sei que o último comboio deixou já a estação e tu não chegaste, mais uma vez.  Assim são os meus dias, todos os meus dias. Chego e o empregado já sabe o que me há-de servir. Com o tempo, o meu olhar foi-se fechando e num instante até a própria alma se foi consumindo. O entusiasmo dos primeiros dias, a ansiedade gritante que se derramava num sorriso radioso e se reflectia no olhar. O ânimo com que alegrava o café, cantarolando sempre bem disposta como se todo o Mundo me pudesse ouvir e desfrutar comigo da minha felicidade.
Felicidade que não demorou a apanhar, também ela, um comboio que passava sem rumo traçado.
Passaram semanas, mas eu não desisti. Alguns que conheciam a minha história olhavam-me com pena mas eu não os via e como tal isso não me trazia incómodo. Só deixamos que nos afectem as pessoas que têm alguma importância para nós, somos maiores que os olhares contristados dos que por dentro se riem do que entendem por ridículo. E eu, do alto de mim não quero nem saber. Nunca fui uma pessoa altiva, mas guardo o maior respeito pelas minhas emoções.
Hoje, de novo, entrei movida a esperança e sentei-me na mesa do costume. Penso que desde o primeiro dia que entrei no café aquela mesa não voltou a ser ocupada por alguém, que não eu. O empregado lá veio, com o chá do costume, com o sorriso do costume e até com o cabelo desalinhado do costume. Dirigiu-me as palavras do costume e eu sorri o sorriso apagado do costume. Agradeci com o "obrigada" do costume e ele despediu-se com o "disponha" de sempre.
Os meus movimentos eram já automatizados e já sabia de cor quais os comboios, horários e destinos que levavam ou traziam. Até se fazer silêncio na plataforma, o meu coração bombeava o sangue que me fervia nas veias e nem todos os passos do mundo me poderiam fazer mais feliz que aqueles que te trouxessem pela porta adentro. Mas, invariavelmente tu não chegavas e a noite apagava as pegadas que desejei perscrutar.
Um dia, sentar-me-ei nesta mesa fitando o chá que me observa, e não o contrário, e talvez no fundo da chávena se materializem as minhas emoções. 
Como um observador atento, o dono do café vinha traçando um retrato de mim ao longo dos tempos. Creio poder ter sido um objecto de estudo interessante para quem se interessa pelas pessoas e pelas suas emoções. Eu deixo que as minhas vagueiem pelos traços do meu rosto e pelos movimentos do meu corpo.
Último dia, último comboio...  o dono do café e o empregado do cabelo desalinhado dirigem-se a mim com algo nas mãos. Sorriem um sorriso puro, como se apenas eles entendessem os meus porquês. Pela primeira vez em semanas, sorri também eu um sorriso agradecido que me saiu cá do fundo do coração. 
O último comboio acabava de arrancar da estação, era o fim. No dia seguinte a estação seria encerrada, a linha deixaria de ter movimento, e eu deixaria de frequentar o café onde durante semanas intermináveis esperei pelo teu regresso.
Tomei nas mãos o embrulho que me entregavam, abri-o ali mesmo. Lá dentro, um quadro de uma mulher, pensei reconhecer-me, tomando o seu chá na mesa de sempre do café de sempre, o café de todas as emoções. Aquela lágrima que nunca saiu dos meus olhos, cruzou a minha face marcada pela desilusão. Mas eu segui em frente, de coração mais cheio do que no primeiro dia que ali entrei...

... e tu não chegaste...

Escrito para: Fábrica de Histórias

[2012/02/05]
Posted by Picasa

22:57


Coldplay - Hunting High and Low

Este é o centro do meu Universo.

Enquanto grande parte das pessoas se centra em si própria, eu levo a centrar-me aqui. É num lugar como este que se aprende a relativizar, que se aprende a Amar pelo avesso, que se aprende a aceitar a individualidade do outro. O mar dá-nos tudo, o Sol aquece-nos a alma, e a areia é a prova de que quando nos unimos nos tornamos mais fortes. 

Sou uma eterna aprendiz, menina sedenta de saber e de se enriquecer com o que verdadeiramente é importante, serei assim até ser bem velhinha e se lá chegar. De que me alimento? Alimento-me das essências que emanam livres das almas que se me cruzam e sei perfeitamente filtrar as armadilhas ardilosas que se me atravessam. Encaro-as de sorriso genuíno, com a tranquilidade de quem é livre e tem pena por essas almas perdidas e espíritos tão pequenos. 

Houve um tempo em que eu achei que amar era prender alguém com amarras invisíveis e hoje sei, que amar é muito mais que isso. Amar é ser feliz com a felicidade de quem se ama. Amar é ouvir palavras difíceis de ouvir e sorrir agradecida pela verdade. Há quem nunca chegue a conhecer o Amor, o verdadeiro, e debita sobre ele com a veleidade de quem é conhecedor, são os pobres ignorantes.

Não gosto do que é superficial, mas admiro o que é simples, as duas coisas são completamente diferentes, eu diria até que a antítese uma da outra. É na simplicidade que reside a maior beleza, é na entrega que existe a maior verdade. Mas, ou se é, ou não se é, e quem não é nunca virá a ser.

Hoje sinto toda a energia que me transmite a "minha" Arrábida e estou em paz porque a verdade sempre me trouxe uma enorme Paz.

Obrigada, meu Amor... por seres quem és para mim...

[201/02/03]