Sara era uma jovem mulher, bonita, com uma áurea especial em torno de si, que atraía a atenção, o interesse, ainda que não fosse nada propositado. Já há algum tempo que se havia tornado numa mulher mais triste, um desgosto amoroso tinha subtraído à sua face aquele sorriso que lhe conferia uma beleza singular. Sara perdera o brilho, sim, é isso mesmo, a beleza continuava lá, apenas vestida de uma opacidade castradora. Sara perdera todo o brilho.
Arrastava-se nos dias, completamente perdida na melancolia. Sérgio tinha sido o grande amor da sua vida, era a única certeza que trazia consigo. A decisão de ruptura tinha sido sua, e sentia-se muitas vezes apontada pelos amigos por ter permitido que aquela relação terminasse assim, mas ela tinha os seus motivos. Não havia sido de ânimo leve que naquele dia de março o tinha olhado nos olhos para lhe comunicar a sua decisão.
Sérgio ficou sem reacção, ela sabia bem que ele não iria pedir-lhe para reconsiderar. Ele sabia bem o que se passava e como ela tinha toda a razão. Pesava-lhe nos ombros a responsabilidade por uma decisão que não era sua mas que tinham sido as suas atitudes a proporcionar. Olhou-a também ele apagado, tentou esboçar um sorriso que não nasceu, e ela, completamente embaciada pelas lágrimas, fechou a mão com força e partiu...
...
O tempo foi passando, e com ele a clareza de um amor que se deitou no lixo, a falta de uma cumplicidade genuína que pairava naturalmente sobre aqueles dois caiu sobre si - a saudade apoderou-se da sua alma provocando uma dor profunda. Sérgio cresceu, mais em dois meses que em dois anos. A confiança sempre foi o alicerce mais seguro de qualquer relação e ele não tinha sido suficientemente sábio para perceber isso e traiu essa confiança por nada. Trazia em si uma tristeza invisível que lhe amargava os dias. Sabia que Sara estava bem, sabia que ela, com a sua força interior iria ficar bem, mas sabia também que perdera o brilho e o gosto pela vida. Ele também se sentia assim. Não estava orgulhoso da sua atitude e o seu tempo era agora utilizado no sentido de perceber o que poderia fazer para corrigir o que de mal tinha sido feito.

Naquele dia, Sara passeava o seu golden no parque de sempre, ele sabia que a encontraria ali. Lá ia ela, linda, porém apagada, com a trela do cão numa mão e a outra mão fechada. Todos comentavam que Sara mantinha sempre aquela mão fechada. Aproximou-se dela e ela olhou-o como sempre fizera - nos olhos. Sérgio sabia que não adiantavam grandes argumentos com Sara. Ou se ia directo ao assunto ou qualquer rodeio apenas a faria exasperar.

- Perdoa-me, meu amor.

Ela perdeu uns bons minutos analisando aquela palavra dentro dos olhos dele. Nesses minutos, toda a cumplicidade surgiu de novo, porque a energia emanada daquele olhar lhe asseguravam a veracidade do pedido. Ele não sorria, mas num instante Sara largou a trela, e o cão correu contente e livre, e a outra mão, que por cerca de dois meses se mantivera fechada, abriu-se para destrancar o sorriso e o brilho que lhe haviam faltado naquele tempo.
Que linda estava Sara agora, o seu brilho iluminava também a alma de Sérgio que deixou cair uma lágrima ao mesmo tempo que lhe beijava o sorriso e sussurrava:

- Obrigado...


[...tenho um sorriso fechado na palma da minha mão/ sorriso que foi achado, caído no meio do chão... Trovante/84]

escrito para: Fábrica de Histórias

[2012/02/12]

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