Por isso hoje, a minha memória selectiva se orienta para os nossos dias de Primavera, apesar de ainda não ter passado uma Primavera entre nós.
Recordo com saudade a forma como juntos e de mãos dadas, feito duas crianças reguilas, caminhavamos sobre o arco-íris em busca do tão almejado tesouro. Eu corria sobre o azul e tu, atrás de mim, rindo feliz, pisavas o amarelo com os teus pés descalços. Lembro de me dizeres das cócegas que sentias e os dois ríamos com a alma cheia. Enchíamos o peito e deixavamos que aquela mistura de aromas das diversas flores do campo se entranhassem na nossa pele, misturadas com o cheiro da terra molhada daquele último aguaceiro de Abril, pulavamos de cor em cor enquanto além o nosso olhar buscava o pote de todos os nossos sonhos. Não era o tesouro na sua condição de tesouro que nos movia. Era sim, a perseguição de algo que fazia parte do nosso imaginário, como um sonho, como era o sonho de sermos juntos, existirmos juntos, respirarmos em uníssono, se se pode aplicar a expressão como figura de estilo, ou, o mesmo e mais directamente seria dizer, como sendo um só Ser.
As nuvens e os passarinhos brincavam conosco, estes cantando lindas melodias para acompanhar a nossa brincadeira, e lá em baixo no extenso prado verdejante, pincelado aqui e ali com as cores exuberantes da Primavera, coelhos curiosos apareciam, saindo das suas tocas e oferecendo um ar de sua graça a estes dois corpos levitantes, a estas duas pessoas que naturalmente se mesclavam na paisagem sem a corromper, como uma tela imaginada pelo pintor mais puro de todos os pintores do Mundo.
Quando cansados de tentar alcançar o fim do nosso arco-íris, mas não desiludidos pois sabiamos bem que o tesouro já nós o possuíamos, deixavamos os nossos corpos juntos escorregarem para o chão e rebolavamos na erva fresca, verde, forte e de cheiro intenso que nos roubava os sentidos. Em nós, este contacto tão directo com a Natureza era como a maior riqueza de sempre, nada precisavamos de dizer e ficavamos ali, de barriga para o ar, apanhando o Sol na cara, naquele delicioso silêncio cheio de poesia. Sorriam-nos os olhos, gargalhava a nossa alma, emanava Felicidade dos poros da nossa pele.
Foi assim naquela Primavera que ainda não existiu mas que recordo, será que me entendes? - Eu sei que sim. Nada entre nós é tão claro, límpido e transparente como cristal, como a percepção do sentir do outro, que não é mais que o próprio Eu.
Hoje, recordando essa Primavera, convido-te: dá-me a tua mão, segue-me, melhor, acompanha-me. Façamos da nossa vida uma Eterna Primavera e da nossa Felicidade um motivo para que o Sol nunca deixe de brilhar, porque ...
...
Há dias em que me sinto capaz de virar o Mundo ao contrário.
Colocar o mar no ar e trazer o céu para o chão.
Vogar ao sabor das ondas do céu e voar, planar no mar.
Sinto que a chuva é salgada, e que o chão parece soalho flutuante,
feito de nuvens de algodão.
E eu, como uma criança que gosta de andar à chuva,
danço no aroma que exalam os jardins suspensos
e caio, rendida, no chão macio, branco, como sonhos.
Nesses dias, feitos de sorrisos e alegrias,
Nesses dias em que as canções são poucas para eu cantar,
Em que o Mundo não suporta já a minha loucura,
Procuro absorver as sensações, esbanjar os sentidos, e no fim...
No fim, arrumo o Mundo, deixo tudo no lugar
Só assim saberás onde me encontrar!
Texto inicial original e escrito para Fábrica de Histórias, com inclusão de "poema" publicado em 2009/06/09