Tomás, o super bebé - 2005

Era o último dia daquelas férias de Verão. Como sempre acontece quando se passa algum tempo fora de casa, um misto de ansiedade pelo regresso ao lar e de angústia pelo fim dos dias de descanso, pelo menos mental, tomavam conta de Beatriz. Umas férias de praia, numa casa alugada e com um bebé de 18 meses, não se pode dizer que fossem fisicamente de descanso, mas psicologicamente eram sempre regeneradoras. Afinal, estava com quem mais amava na vida, fora do ambiente de stress que normalmente a envolvia a viver intensamente a natureza, o sol, o mar.

Nesse dia resolveram aproveitar ao máximo a possibilidade de Afonso usufruir daquele ambiente, então foram até à praia logo pela manhã. Almoçariam cedo na esplanada da praia com o nome sugestivo de “Pezinhos N’areia”, luxo a que se davam apenas por ser o último dia e para evitar de ter uma cozinha para arrumar, e de tarde regressariam para arrumar toda a “tralha” que sempre se leva para férias quando se tem um bebé pequeno. Cama de viagem, carrinho, brinquedos, até a almofada Beatriz tinha levado – esse era mesmo um capricho seu, só deixaria a sua almofada para trás se a tal fosse obrigada!

Afonso mostrava-se alegre com aquele sorriso encantador e os caracolinhos dourados, brincando no chão da sala com os seus brinquedos, provando que é preciso tão pouco para uma criança se sentir feliz. Beatriz continuava na azáfama de tentar deixar tudo mais ou menos limpo de areias e arrumado, sempre com um olho no pequenino e no seu brinquedo preferido de sempre: a bola! Luís, marido de Beatriz, assumia as tarefas do costume, e não menos importantes que as de Beatriz, estava lá fora de mala do carro aberta tentando colocar lá dentro tudo aquilo que haviam levado e que agora parecia ter dobrado de tamanho, sim, porque o entusiasmo das arrumações no sentido das férias é infinitamente maior que quando estamos de regresso. Mas Luís era paciente, e lá estava, olhando para as bagagens e para a mala do carro e pensando de si para consigo que alguém lhe tinha trocado o carro durante a noite: aquela pequenina mala tinha mesmo carregado tudo aquilo aquando da partida de Lisboa para o Algarve!? Ele tinha as suas dúvidas. Beatriz, observava sorrindo o ar de seu marido, pela janela da cozinha, e metia-se com ele quando ia lá fora deixar-lhe mais alguma coisa para ele encafuar dentro do carro, ele fingia-se zangado, mas os dois acabavam sempre por rir às gargalhadas daquela situação, toca a tirar tudo e voltar a reorganizar. Luís, por ele, deixaria metade para trás, mas Beatriz, com o seu jeito sedutoramente convincente levava sempre a melhor.

Já só faltava passar revista ao primeiro andar da casa, onde ficavam os quartos e onde ainda se encontrava a preciosa almofada de Beatriz. Para não deixar o pequenino Afonso sozinho, uma vez que o pai continuava lá fora, e assim deveria permanecer por uns bons tempos, pegou no menino, colocou-o encaixado na sua anca e lá foi, cantarolando com o seu pequenino amor, feliz por ter um tesouro nos braços, até ao primeiro andar da casa de férias.

De volta do primeiro andar, Afonso continuava encaixado na anca de Beatriz, na outra mão ela trazia a almofada. Ao fazer a curva da escada, no lugar onde o degrau estreita, Beatriz coloca mal o pé e sem saber bem como, com Afonso ao colo, os dois em desespero, ela gritando “meu filho” e ele gritando “mamã” naquela vozinha tão desesperadamente doce, desce as escadas em desequilíbrio, de três em três degraus, encarando o chão de frente. Ao ver o chão aproximar-se a uma velocidade vertiginosa, Beatriz instintivamente se contorce por forma a virar-se de costas para o chão, proteger o menino abraçando-o com a almofada que permanecia na sua mão esquerda, estatelando-se assim no chão com o filho por cima. Na fracção de segundos que durou a queda, passou tanto pela cabeça de Beatriz, mas o seu filho era a sua única preocupação.

Entretanto já Luís entrara disparado pela porta adentro, ao ouvir os gritos desesperados de sua mulher e filho. Também ele se sentiu desesperado perante o cenário. A mulher, deitada no chão abraçada ao filho e o menino gritando. Beatriz só queria ter a certeza de que Afonso estava bem, pois ela sentia que não se poderia mexer, pelo menos não naquele momento. Luís agarrou no menino que continuava gritando pela mamã, e tentava acalmá-lo. Os tios de Beatriz que passavam férias na casa do lado acorreram a ajudar e enquanto Luís acalmava o menino, os tios acudiam à mãe. Beatriz pedia calma a todos e só depois de lhe terem garantido de que o seu filho estava bem, apenas assustado, ela conseguiu então pensar em si. Percebeu que teria dificuldade em levantar-se do chão. Segundo o tio, tinha um pé completamente em sangue pisado, devia ter sido um entorse dos feios, mas ela nem sentia nenhuma dor no pé, devia ser de estar tão quente ainda. Rebolou no chão e com a ajuda dos tios levantou-se com dificuldade e foi para o sofá com gelo no pé. Esteve assim cerca de uma hora, a noite aproximava-se e ela queria retornar a casa, em Lisboa, ainda naquele dia. E assim foi, Afonso adormecera exausto no colinho do pai, foi colocado na sua cadeirinha, Beatriz instalou-se no carro também com um saco de gelo atado ao pé, e assim seguiram viagem.

Passou a noite com vómitos, devido aos nervos, e no dia seguinte, no hospital, os raio-x mostravam duas vértebras fracturadas e uma entorse no pé, viriam pelo menos dois meses de baixa médica, e um colete horroroso que lhe impediria de se dobrar e de fazer coisas tão simples e preciosas como pegar o filho no colo, dar-lhe banho, etc.

Quando contava aos seus pais, já mais tranquila, a sua “aventura”, a mãe, por entre um sorriso preocupado deixou sair: “Ao menino e ao borracho, põe Deus a mão por baixo”


Escrito para: Fábrica de Histórias - baseado em factos reais

[2011/01/22]

6 Responses to "Ao menino e ao borracho"

  1. João Roque Says:

    Histórias da vida real...

  2. Unknown Says:

    uma realidade ficcionada :)

  3. Sónia da Veiga Says:

    Fantástico!

    Muito bem contada toda a aventura de ir de férias com crianças (o meu conselho para o Luís: mala de tejadilho; essencial, especialmente se tiverem segundo filho!!!)! ;-)

    Já tive um coisa semelhante, mas deu-me para sentar (um pouco de lado por causa da perna do bebé - foi instintivo, mas o nosso subconsciente é fantástico!) e ficou bem patente a vantagem de ter um rabiosque bem almofadado de gordurinha!

    Adorei!

  4. Unknown Says:

    SDaVeiga,

    Muito Obrigada pela tua tatuagem! Vou iniciar a minha "ronda" pelas participações da semana! Já passo pelos teus pensamentos...

    Um beijinho e volta sempre ;)

  5. Ametista Says:

    Olá, Natacha
    Gostei tanto da tua história.. descreves na perfeição uma situação que pode acontecer a qualquer família..

    Um beijinho :)

  6. Unknown Says:

    Olá Ametista!

    obrigada pela tua tatuagem, sem dúvida ninguém está livre de uma coisa assim, mas a julgar pela sabedoria popular ;) estamos safos de pior :)))

    Beijinho

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