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Fernando Lusbelo - Angola

"Ninguém ama impunemente! Pode até parecer, mas não estou querendo dizer que quem ama merece ser punido. Muito pelo contrário! Quem ama merece ser amado, acima de tudo. No entanto, muitas pessoas vivem relações tão difíceis, tão cheias de obstáculos, empecilhos e dificuldades, que terminam acreditando que o amor, para elas, é quase que um castigo. "Falta de sorte no amor" é uma crença fortíssima que muita gente alimenta e divulga aos quatro cantos. Porém, definitivamente não acredito que o amor contenha em sua essência qualquer coisa a ver com sorte. Estou cada dia mais convencida de que o amor é reflexo de dentro para fora, é algo que cada um de nós sente à sua maneira, no seu ritmo, com o seu conteúdo interno; obviamente, levando em conta que o amor só é amor quando tem o intuito de construir e nunca, em nenhuma circunstância, de destruir o outro. O que a gente sente não está escrito em algum lugar ou predestinado para ser exactamente como está sendo. Se fosse isso, o amor perderia seu propósito, anularia a grande oportunidade de evolução e crescimento que traz consigo. Portanto, aí está a razão da minha afirmação: ninguém ama impunemente, justamente porque esse sentimento chega na vida da gente trazendo um desafio absolutamente precioso e divino. O de exercitar a nossa capacidade de derrubar as máscaras, de rever as regras, de mudar conceitos e comportamentos, de olhar para nós mesmos e iniciar um processo de auto descoberta, de reciclagem e revisão de tudo o que acreditamos até então. Claro que isso é doloroso, mas por alguma razão muito particular, parece-me que algumas pessoas optam por transformar o exercício de sentir num martírio insuportável. Vivem repetindo situações, padrões e comportamentos sem se darem conta de que a escolha é pessoal, de que elas mesmas se deixaram enredar por uma espécie de rotatória autodestrutiva! Isto é auto-sabotagem! Somos "mestres" em nos sabotar porque temos medo da felicidade, do amor, da plenitude. Temos medo de não saber o que fazer com o que merecemos, com o que a vida pode nos dar. Assim, inconscientemente, repetimos encontros desastrosos e com finais frustrantes, desgastantes... como que para reafirmar a nossa "falta de sorte"! Pare!!! Saia da rotatória destrutiva! Encontre seu centro, sua essência, o verdadeiro amor que você deseja viver. Escreva, se sentir que isso torna seu desejo mais concreto, mais real. Descreva com detalhes, deseje com profundidade, reveja cada conceito limitante e desmotivador que você construiu ao redor do amor, do que esse sentimento significa em sua vida. Permita-se algo maior, melhor, mais construtivo e evolutivo. Encare as suas escolhas afectivas como caminhos, como importantes processos para o seu crescimento pessoal. É nesse sentido que reafirmo que ninguém ama impunemente. Ou seja, amar deve nos remeter a um degrau acima, sempre... Mas entrar e sair das relações sem respeitar o outro, sem respeitar, sobretudo, a si mesmo, aos seus princípios de dignidade e ética humana é supor que o amor se assemelha a um tropeço, a um acaso, à mera sorte ou falta dela...Sugiro que ame aprendendo, ame reflectindo, ame propositadamente, com toda a verdade que pode estar contida em seu coração. Porque se não for isso, se não for assim, está na hora de sair da rotatória..."

* Recebida via e-mail, desconheço o autor

[2008/12/02]

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Fotografia de Graça Rodriguez


Crónica para ser lida com acompanhamento de 'kissange'

Porque é que o lugar mais belo que se recorda é o mais belo? Onde está o segredo da sua conquista? Talvez na proximidade com a felicidade ou no dom que possui a sua evocacão para ajudar a atravessar os momentos difíceis. E pode estar no despertar e adormecer de um oceano de girassóis. No descobrimento da beleza, da satisfacão e da alegría no meio da miséria e do horror.

O mais belo que vi até hoje não foi um quadro, nem um monumento, nem uma cidade, nem uma mulher, nem a pastorzinha de porcelana da minha avó Eva quando era pequeno, nem o mar, nem o terceiro minuto da aurora de que falam os poetas: o mais belo que vi até hoje foram vinte mil hectares de girassol na Baixa do Cassanje, em Angola. Saíamos antes do amanhecer e com a chegada da luz, os girassóis levantavam a cabeça, ao mesmo tempo, para Oriente, e a terra enchia-se, por inteiro, de grandes pestanas amarelas nos dois lados do caminho e recordo, numa ocasião, um grupo de macacos numa ladeira, quietos, observando-nos. Depois, cansaram-se de nós e desapareceram sob a sombra dos arbustos.

O mais belo que vi até agora foi Angola e, apesar da miséria e do horror da guerra, continuo a querê-la com um amor que não se apaga. Amo o seu cheiro e amo as suas pessoas. Talvez os momentos que tive mais próximos daquilo a que se chama felicidade tenham acontecido quando assistia a partos e resolvía os problemas que as mulheres e o meu companheiro feiticeiro (euá Kimbanda!) não eram capazes de solucionar. Quando acabava, saía da enfermaría como se ainda tivesse nas minhas mãos uma pequena vida trémula e sentia-me feliz. As mangueiras, imensas, sussurravam sobre a minha cabeça, o senhor António espreitava da cantina. É engraçado: nos momentos difíceis, a memória da Baixa do Cassanje ajuda-me. Recordo o chefe Macau (euá Muata!), e digo a mim próprio:

- "Tumama tchituamoc", que significa, em síntese, senta-te e serena.

Se fosse à janela, decerto que avistaria, mesmo em Lisboa, vinte mil hectáres de girassóis, perdendo-se da vista, as pestanas amarelas, os macacos. A incrível beleza das raparigas, a sua pele tão suave, a tía Teresa, gorda, enorme, que dirigia uma casa de putas en Marimbá, e sabia muito mais sobre a nossa condição que qualquer outra pessoa que tenha conhecido.

Euá tía Teresa!

Euá os tambores"!, pela noite na povoação de Dala, a marijuana dos ritos funerarios (euá liamba!).

Conversava com a tía Teresa ao entardecer quando sentía saudades. Às vezes oferecia-me uma das suas criadas: nunca fui capaz de aceitar. Mandava trazer uma bacia com água, sabão, uma toalha, e ambos lavávamos solenemente a cara. Um día entregou-me um frasco com pó de talco, com o propósito de me proteger do mal. E talvez me tenha protegido. E comíamos juntos moamba, essa carne de galinha ou vaca guisada com azeite de palma: ela e o Kimbanda Kindele, ou seja o médico branco. Eu que tantas vezes, em África, tive vergonha de o ser. O meu corpo tão desengonçado. Aproximava o ouvido de uma árvore e não sabía, como a tía Teresa, quem estava a chegar. Mas o chefe Kaputo pediu-me que fosse padrinho do seu filho, a maior distinção que recebi até hoje: e, por educação, nada disse sobre a minha forma de dançar. Uma velha com a brasa do cigarro no interior da sua boca apertou os meus dedos com os seus

euá Velha!

Apertou os meus dedos outra vez: estou a escrever isto com uma grande alegría, a mesma com que aos domingos de manhã fumava cachimbo de mutopa com os homens, ouvia-os falar, jogava com eles a uma espécie de gamão com pedras e olhava a jangada a atravessar o río Kambo, já sob as sombras do crepúsculo, com as luzes de Chiquita à distância. Os girassóis inclinavam a cabeça para poder dormir, os insectos voavan contra os faróis do jipe, no caminho. A fazenda de tabaco do senhor Gaspar, com as suas caveiras de hipopótamo. O senhor Gaspar sorría no interior do bigode

euá senhor Gaspar!

Sentávamo-nos na varanda

-Tumama tchituamo

E o seu papagaio, entre gritos, fazia tilintar a candeia: dava medo a obscuridade. Ali vinha a criada com a água, o sabão, a toalha. No meio da miséria e do horror havía momentos de uma satisfação enorme. Uma paz como de santo que não voltei a encontrar. O que mais amo no mundo são os girassóis da Baixa do Cassanje e eu caminhando (voando) entre eles.

Euá Velha!

aperta os meus dedos outra vez.

António Lobo Antunes

Obrigada Gina, por um dia me ter enviado esta crónica!!

[2008/09/11]

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