Moulin de la Galette (1889), Toulouse-Lautrec
Chico Buarque - Valsinha
Em dias que nascem sob o véu de baile, Amélia fica particularmente nervosa. Espreita pela janela com aquela curiosidade jovial de quem quer ver as damas cruzarem a praça em frenesim, umas dirigindo-se à modista e outras vindas do salão de cabeleireiro de onde saiam com algumas obras de arte na cabeça. Também ela sonhava, de algum tempo a esta parte, com o dia em que todos parariam para olhar para ela, impecavelmente vestida e discretamente penteada, mas bonita, sobretudo, muito bonita, entrando no salão de baile onde, porventura, encontraria a sua cara-metade.
Tinha 15 anos, e Amélia era já uma jovem vistosa, mas simples. Simplesmente vistosa, naturalmente bonita. Os pais tinham-lhe prometido que a levariam assim que ela fizesse os 16 anos, numa espécie de debute, apesar de toda a gente da vila a conhecer.
Faltavam apenas duas semanas para que completasse os 16 anos e se cumprisse um sonho, hoje ainda não era o dia. Nesse sonho existia também Bruno. No entanto Amélia teria de aprender a separar os sonhos, já que não existia a mínima possibilidade de Bruno poder estar presente no salão de baile... a não ser como engraxador, talvez...
Amélia vivia este sonho, o seu primeiro amor, completamente sozinha. Não tinha sido capaz de o confessar sequer à sua melhor amiga. Parecia-lhe algo tão íntimo, tão seu e ... tão passível de ser motivo de crítica e desdém, que não sabe se por vergonha se por pudor, não falava sobre o assunto com ninguém. Porém no seu íntimo havia uma pessoa que ela acreditava ter já percebido o seu sentimento - o próprio Bruno. Este, quando passava por ela na rua, lançava-lhe um sorriso que era de cordialidade mas que transmitia algo mais, acompanhado de um olhar especial, e ela corava sempre enquanto a mãe a puxava disfarçadamente como que dizendo que ela tinha de apressar o passo.
Amélia pensava em tudo isto enquanto olhava do alto da sua janela sobre a praça...
Duas semanas passaram rapidamente. Agora o frenesim era pelo seu aniversário, pelo debute e pelo baile, tudo junto num só acontecimento. Sentia-se muito importante e com uma responsabilidade acrescida naquele dia. Não podia desiludir os pais, na verdade já o tinha feito ao sugerir que Bruno, o filho do sapateiro da vila, fosse convidado, mas ela não podia deixar de tentar, apesar de estar ciente de que os pais jamais permitiriam. Apesar de obediente e educada, Amélia estava também na idade de todas as descobertas, e até da descoberta das pequenas mentiras que não trariam prejuízo a ninguém e apenas serviriam para contornar aquela austeridade dos pais. Ela simplesmente precisava de Bruno na sua festa de aniversário, e ia conseguir.
Pediu a um garoto insuspeito que lhe entregasse um bilhete e que em troca do seu silêncio lhe oferecia um sorvete, daqueles deliciosos do sorveteiro da praça. Ele assim o fez, com um sorriso maroto no olhar.
À noite, Amélia estava particularmente excitada com tudo o que se iria passar e curiosa por ver como estaria o salão, como estariam todos os convidados. Ela levaria um vestido branco, como era típico nas debutantes, mas com um corte muito elegante e distinto. Entrou no salão pelo braço do pai e tal como ela tinha sonhado, a sala inteira parou para vê-la entrar. A festa decorreu sem percalços, a primeira dança com o pai que babava de orgulho e depois com alguns dos jovens promissores da vila, mas que nem um pouco faziam palpitar o coração de Amélia. Essa pessoa especial, se tudo corresse como ela esperava, estaria na ante sala, e era para lá que ele se dirigia quase às escondidas. E assim foi. Abriu a porta e do outro lado estava um Bruno envergonhado mas impecavelmente vestido, não ficava a dever nada aos emproadinhos do outro lado do salão de baile.
Estendeu-lhe a mão, ela aproximou-se e começou a dança... ao lado do salão de baile...
Escrito para a Fábrica de Histórias
[2012/04/01]
8 de abril de 2012 às 16:35 �
A diferença de classes que ainda hoje existe se bem que de uma forma camuflada..
Doce a tua história.. faltam as cenas do próximo episódio :)
Um beijinho graaande
8 de abril de 2012 às 19:25 �
Leonor, nem sempre é tão camuflada assim ;) Conheço histórias... ui ui :)
Sim, esta história podia dar um conto :)
Beijo enormeeeee