23:59


Caetano Veloso e Maia Gadu - Nosso estranho amor



Urgente é o pulsar do teu corpo na minha pele.
Urgente é lançares o meu corpo na cama e arrancares dele o que o separa do teu.
É nesta urgência que sempre te espero enlouquecida de desejo,
é nesta urgência que o beijo se desenha nas bocas e o desejo se reflecte no corpo.
É com urgência que te empurro e arranco a roupa e me misturo em ti, enquanto tu, urgentemente tentas despir as roupas que estão a mais.
Urgente é amar sem tabus e pudores, com palavras obscenas e declarações de amor,  vinca-me o corpo, marca-me a alma, como só tu sabes.
Sinto palavras loucas saírem-me da boca com a urgência de te enlouquecerem,
e sinto no teu toque a urgência de me arrebatares os sentidos.
Já não são só os corpos, já não é só a carne que luta pela conquista da presa, nesta luta quente e excitante.
São as almas que se exultam como num altruísmo de dor e prazer,
e são todos os lugares seguros do mundo reduzirem-se a apenas um,
...o teu corpo.
Urgente é o arrepio que nasce desta comunhão,
é prolongar os suspiros em loucos gemidos de prazer.
A urgência, é apenas a de ser feliz e livre em ti.


[2012/03/31]




Como o vento e a terra tudo há-de acabar
o que o meu coração não aguentar
esqueceu ou deixou de amar.
Como tudo tem um FIM a paixão morreu em mim
mas a imagem continua presente
Agora e para sempre.
Aquela imagem de encantar
porque uma amizade nunca acaba
com a possibilidade de amar
sim... amar
Mas de uma maneira diferente
já não quero mais chorar
mas levantar-me e seguir em frente
Enfrentar o amor, o amor e a saudade
porque amar não é só sofrer na minha idade.
Amor, amar, o que será na realidade
será alegria, será dor
ou será apenas saudade
saudade...saudade que ainda sinto
saudade que não vou esquecer
saudade que não evito e que levarei comigo até morrer...


Saudade e não só
alegria, respeito admiração
tudo o que sinto por alguém
bem dentro do meu coração
Mas quando percebi, já tarde
que em toda a confusão
eu perdi... eu sofri...e algo morreu dentro de mim
Sem lágrima... sem dor... mas com AMOR
Eu descobri, que depois do que vivi
eu não consegui ser... EU
Mas nunca há-de voltar
aquele dia solitário e viril
Duma linda tarde de Abril
em que à nossa volta existia apenas uma espera
Uma espera pelo dia teu... dia meu...
dia que o mundo esqueceu
porque tudo acabou e nada mais existe... sinceridade apenas
sinceridade que tarda mas não falha
como o ingénuo primeiro espinho de uma rosa
dentro de um coração pequeno
pequenino como o de um pássaro
que não sabe voar porque ninguém lhe ensinou
e ninguém consegue ver o coração que não suspirou
coração que se tornou de pedra
coração que não quer viver
coração que sofre pelo amor que ACABOU...

Uma memória de 1991 agora reposta para: Fábrica de Histórias

[2012/03/25]

22:50



Ronan Keating, Yusuf - father and son

João estava super entusiasmado no recreio da escola, não parava de dar gritinhos de alegria enquanto exclamava: "hoje é dia de pai, hoje é dia de pai!" Os amigos e companheiros de bola, olhavam para ele sem conseguir evitar rirem também dos disparates que João ia fazendo à medida que continuava a lenga-lenga sobre o dia de pai.
Tinha passado a manhã agitado e a professora tinha tido que chamar-lhe por variadas vezes à atenção. A determinada altura optou mesmo por pedir a João que saísse da sala de aula para lhe levar um recado a Patrícia, a funcionária da secretaria. Enquanto ia e vinha, João acalmava, e assim os colegas podiam também estar mais concentrados.
No almoço, o entusiasmo de João contrastava com a manifesta falta de apetite. Estava irrequieto, mas mais do que isso, estava inquieto. A professora já se tinha apercebido do que motivava tanto nervoso, um misto de ansiedade e alegria, hoje era dia de pai.
Alguns meninos aproximaram-se da professora para lhe manifestar que João não estava bem, só fazia e dizia disparates e ninguém podia já aturá-lo. A professora pediu-lhes para terem paciência, que o João estava a passar por um momento difícil e que ia necessitar muito da ajuda dos que realmente eram seus amigos. Três ou quatro caras de meninos e meninas de 8 anos fixaram a professora como quem procura significado para aquelas palavras. Reparando nisso, e sempre atenciosa, a professora Alice disse-lhes: - O João vai ter hoje o seu primeiro dia de pai.
- Oh professora, exclamaram alguns deles em conjunto - não é nada! O dia do pai é só em 19 de março e ainda estamos a 9. Ainda nem sequer terminamos os presentes que estamos a fazer.
A professora voltou a sorrir e pacientemente lá lhes explicou: - Não é disso que estou a falar. Hoje é o primeiro dia que o João vai ficar na casa do pai, depois da separação. Vocês sabem que os pais do João se separaram, não sabem?
- Sim, responderam em uníssono, assumindo desde logo um ar algo consternado.
- Então agora percebem a ansiedade do João?
- Sim, professora, mas é muito triste não é?
- A professora pensou por uns instantes e disse: não tem de ser triste, mas sim, para o João vai ser sempre um misto de tristeza e de entusiasmo. E daqui para a frente ele terá muitos dias de pai, talvez mais do que antes da separação, disse sorrindo. 
Nesse preciso momento João acerca-se da professora e diz-lhe: - professora, dás-me um abraço?
- Claro, meu menino, vem cá. - e acolheu nos seus braços aquele menino perdido num misto de sentimentos demasiado confuso para a sua capacidade de gestão emocional. - deves estar feliz, hoje é dia de pai, disse a  professora enquanto lhe piscava o olho.
E ele, tentando piscar-lhe também o olho, mas fazendo ao invés disso uma careta disse: Sim, professora, estou muito feliz! -enquanto uma lágrima lhe rolava na face...


Escrito para: Fábrica de Histórias


[2012/03/18]


Não lhe conheço rosto, nem desenho na retina do meu olhar o contorno do seu corpo, se o tem. Sinto-lhe, isso sim, a presença forte, intensa do que nos traz à consciência a verdadeira importância que existe no estarmos simplesmente vivos. 
Dela, ou dele, emana um aroma inebriante, misto de madeira e canela, com reminiscências de maçã. E sei que está lá sempre que eu preciso de me encontrar comigo, sempre que eu preciso de, de novo, encarrilar no rumo certo, aquele que me aproxima do  simples, do verdadeiro, do naturalmente natural, do ser para além do ter.
Não falo do banco, que permanece estático por debaixo da árvore e que acolhe quem passa e busca o alento de um descanso, nem falo do arbusto que ondula ao sabor da brisa  e que faz companhia ao banco. 
Não falo das milhares de pessoas que por ali passam sem perceber que existe tanto mais por detrás de um simples banco de madeira de costas voltadas para o mar.
Não lhe conheço rosto e no entanto sei que é belo, ou bela, porque também não lhe conheço o género. Não lhe conheço os contornos do corpo, ou se o tem, mas sei que enche com a sua energia todo o espaço. 
Não fala comigo, não me tece elogios ou procura seduzir-me com artes e manhas. Não quer nada em absoluto de mim. Convive comigo porque ao invés de lhe querer  roubar o lugar e o protagonismo, limito-me a querer usufruir dele, ou dela, com o intuito de me tornar uma pessoa cada vez melhor.
Não tem nome, porque é aquilo que nós quisermos que seja. Para mim pode ser o mar, e para ti pode ser uma batucada, para mim pode ser a Lua e para ti pode ser o Sol.
Não é concreto, porque está presente no que nós escolhermos para ser nosso incentivo, nossa fonte de alma. Não tem fim, também não tem começo. 


Inspira-me o que me cativa. Inspira-me tudo e todos os que me sabem ver por dentro e de dentro para fora. Diferente, não é ser musa, diferente é ser instigador de vontades e de buscas, ainda que incessantes, pelo que na verdade importa nesta vida. Diferente é despertar consciências. 
Diferente és tu, que estás presente na minha vida, que permitiste que me alimentasse de ti, da tua sabedoria, dos teus ensinamentos, e em troca, apenas me pediste que te fizesse sentir, e que te desse a paz. 
Musa, ou inspiração, são todos os pequenos momentos em que me emociono. Diferente é isto, a capacidade de nos emocionarmos...


Escrito para: Fábrica de Histórias


[2012/03/11]