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Rui era um menino como tantos outros da aldeia. Pobre e feliz como só os meninos pobres sabem ser. O seu sorriso era do mais genuíno que existe e espreguiçava-se na sua face pelas coisas mais simples que se possam imaginar.
Rui adorava sair da sua pequena casa para ir brincar com os outros meninos no descampado do bairro. Invariavelmente, a bola de trapos ou de papel era o passatempo predilecto da garotada. Ouviam-se gritos de alegria, e outros mais próprios de um jogo de bola, já que não se pode falar exactamente em futebol.
A mãe de Rui, Felicidade, passava sempre com o alguidar à cabeça, transportando a água que mais tarde teria de servir para cozinhar e para os banhos de seis pessoas, dois adultos e quatro crianças.
Os irmãos de Rui eram mais velhos e andavam na escola. uma escola onde faltavam muitas coisas, quase tudo, menos a vontade de aprender. Faltavam até as paredes. Rui estava desejoso de poder ir para a escola, era já para o ano.
No entanto algo o trazia preocupado, Rui andava sempre descalço, por um lado gostava, por outro nunca tinha conhecido outra realidade, os irmãos tinham uns sapatos que a mãe tinha encontrado num contentor de lixo num dos bairro ricos da cidade mais próxima, e outros que o pai tinha pedido na igreja para que os filhos pudessem ir à escola que ficava algo distante. A preocupação de Rui era a de não ter uns sapatos para poder ir à escola.
- Não penses nisso, dissera-lhe Felicidade. Até lá tudo se resolve.
Mas Rui não se convencia. Faltavam menos de quatro meses para também ele poder ir à escola e ainda não tinha sapatos. Tomou então a decisão de que teria de ser ele mesmo a resolver aquele problema.
Durante uns dias ninguém o viu no campo da bola. A mãe passava, como sempre, perguntava por ele, mas os outros meninos não sabiam. À noite, perguntava-lhe por onde tinha andado mas ele respondia com evasivas. E assim se passaram alguns dias.
Da mesma forma que tinha desaparecido do campo da bola, a ele regressou, mas sem nada falar aos seus amiguinhos do que tinha andado a fazer.
Passaram as férias dos irmãos mais velhos e começava a excitação pela proximidade do grande dia, mas vendo a mãe muito triste um dia, Rui perguntou-lhe: - Que se passa, mãe? Porque estás tão triste?
- Ainda não te consegui arranjar uns sapatos para que possas ir à escola, meu filho - disse pesarosa.
- Olha, mãe, não te preocupes que eu já arranjei uma solução - respondeu Rui, exibindo aquele sorriso radioso.
A mãe, espantada disse: Como assim, Rui? De que estás a falar?
- Anda mãe, vou mostrar-te, vem até à rua, mas só quando eu te chamar - disse Rui.
Dirigiu-se para a porta e saiu, daqui a uns instantes chamou a mãe: - Anda mãe, já podes sair!
A mãe saíu e...
imagem
... deparou-se com os sapatos mágicos.
" A necessidade aguça o engenho."
Escrito para Fábrica de Histórias
[2012/01/29]
30 de janeiro de 2012 às 01:01 �
É bem verdade, minha linda, que a necessidade aguça o engenho, mas é triste que o engenho tenha que ser tão aguçado, especialmente quando se é criança.
Muito bonita a tua história, doendo de tão verdadeira que é.
Beijinhos e boa semana,
Sónia
30 de janeiro de 2012 às 23:16 �
Olá Sónia!
Sim, é de facto triste e mais por ser verdadeira e se tratarem de crianças...
Um beijinho e boa semana também, é sempre muito bom receber-te aqui :)
31 de janeiro de 2012 às 00:11 �
estou a fazer a "ronda" da Fábrica e ... bem que me disseste que desta vez não era para rir... é que sou mesmo sensível a tudo o que meta crianças :( bonita história Natacha. Um beijinho!
31 de janeiro de 2012 às 22:40 �
Olá Natacha,
Fui surpreendida, não imaginava o desfecho da história. Crianças são como anjos (inocentes). És uma Óptima escritora. Parabéns!!
1 de fevereiro de 2012 às 21:43 �
Olá Sónia [Closet]
Sim, também eu, e mal vi os sapatos lembrei-me logo dos meus meninos do Huambo ;)
Beijinhos, obrigada
1 de fevereiro de 2012 às 21:45 �
Van Costt
Obrigada pela tatuagem e presença aqui :) Bom, e muito, muito obrigada pelo elogio :)
6 de fevereiro de 2012 às 21:45 �
Natacha,
bela história.
beijinho
7 de fevereiro de 2012 às 22:12 �
Uma realidade que não devia existir...a tua história deixa-me a pensar quantas vezes lamentamos a nossa vida sem razão nenhuma.
Adorei.
Bjinhos
8 de fevereiro de 2012 às 12:16 �
Ana :)
Obrigada, uma bonita, mas triste, história :)
Beijinhos
8 de fevereiro de 2012 às 12:17 �
Olá Ónix!
Como gosto de te ver aqui! Tenho saudades tuas e da leonor, espero que esteja tudo bem :)
E tens toda a razão... reclamamos de barriga cheia :s
Beijo grande